UMA OITAVA


Não é o fim de uma estação... Todas as memórias são curtas quando não se viveu um amor. Quantos sítios foram visitados, quantas arroubas de chão, e nenhum amor. Nenhum ao mesmo precisado. A cautela do sonho o transformou, e o realizou.
Eu fiz isso, fiz mesmo, inclusive precisei mudar e transformar a linguagem, a medida que fosse aparecendo, outra forma de vida, vivência, convivência. Eu fiz isso, fui procurar o início, o meio e o final de um grande amor, até alçá-lo a esse costume moderno de ficar. Eu fui e ultrapassei as cercas dessa vida, mudei os costumes...
Acerca de mim, posso dizer, amo tanto e de tanto amar, crio um precioso momento de enlevo e não me acostumo ao mesmo amor, chego até o verdadeiro. Que aos oitavas todas sejam adicionadas a esse sentir, a esse silêncio das palavras exauridas, procuradas, quase achadas, mas cuidadosamente demonstradas nos beijos realmente dados, nas mãos que ficaram em meu corpo, nos abraços de despedida, naquele sorriso lindo ao te encontrar.
Acerca de mim, não abro para outro apreço. Até desvalorizo as clarividências, os futuros regrados de rotina, ao apelo que recebo dessa possibilidade de um grande amor. Basta dizer, qualquer canto de mim lembra-se de ontem, sonha com o amanhã, se resolve hoje na contestação da miséria, da injustiça. Qualquer outro momento, na vida de quem foi, se esquece de mim.
Para me encontrar a um grande amor, ajusto meu horário até a derradeira hora, a hora onde se cumpre o desejo. Eu digo a verdade. Por sobre a minha simples vida, existe o amor maior. Que eu o reparo, aos poucos, vou sentindo que chega e me espera. Sei que existe, pode ser até na vida de outrem, mas eu admiro essa substância primeira do olhar, a descoberta do outro.
Saiba, acerca de mim, posso partir, posso chorar, posso sorrir, e todos os sentimentos creditados em meu espírito, até onde foram, foram apenas o início da minha paixão. Basta dizer que o universo não tem fundo, mas a minha fé o coloca neste olhar, nesta suspensão da fala, onde me algema a tua alma, e soçobra em mim a tua secura.
Eu acredito no amor. Não sei de homens pagãos, mas de homens cristãos, heróis, homens de coragem, homens de romance, homens de compromisso. Acre-dito que as vezes me deixa a margem de uma vida social arbitrária e comum. As penas do amor, viver para sempre, imortalizar um momento, alterar a direção de um destino, transformar uma geração, acalentar mendigos, vestir a miséria com a nobreza de um espírito livre. As penas de um amor: viver sem ele, quando todos vivem as sobras dele.
Através do corpo, passam muitos sentimentos alheios. Aliás, passam escondidos, na madrugada passam, como se atravessassem a fronteira a procura de salvação. Quanto escândalo para o amor, o insensato da submissão, da covardia, o insensato de moldar o outro a imagem de uma estreita margem. Causar o adverso e mostrar a diferença, começa assim: era uma vez...
Na cama eu provo o destino do meu amor, começo e acabo dizendo, na cama da revelação, na antecâmara da memória, seguro esta mão e a coloco no meu peito para que eu possa receber o teu momento, teu pulso, tua livre transação neste ser despossuído, neste demônio do desejo, neste anjo da procura, neste cravo que me solda a esta cruz, pela paixão de viver o amor maior. Dar por entre as minhas pernas o tesão, o milagre de caberem dois em um só, de serem unos, por essa passagem da entrega, um caminho onde ocorre a freqüência do teu ser.
Posso habitar a tua casa, sentir tuas asas, quando repousas neste sorriso, o menino que eu encontrei, o moleque que eu estimei, para sempre. Para sempre pode ser o teu fim, e eu desejar o teu adeus, quando a saudade me machucar demais. Para sempre pode ser que acabe em você, e por tanto precisar, recomece em mais alguém. Pode ser...
Pode ser qualquer coisa, mas não pode ser que eu não queira mais. Ao menos, deixa eu lembrar onde estive, com quem fiquei, onde fui, onde você me deixou. Deixa eu lembrar quantas vezes seja preciso, para que passe esse momento a eternidade e, todos os anos, se torne estação, parada e chegada. Se torne estação, onde o vigia das tuas horas seja o imediato de um vasto cais, coberto de neblina, onde me ocorre dizer: eu te aviso, o meu amor faz você aos poucos aparecer... Já a luz da manhã te saúda em cada um. A minha saudade tem te procurado, mas a minha idade se adianta na lonjura, só, me vejo te`esperando.
Como a água escorre entre os dedos da mão..., esta selva de pedra me aguarda. E é possível encontrar algumas flores, árvores, regatos. De onde vem encontrar uma espécie rara, a humanidade? Espécie tardia, vale dizer. Vale dizer, cavo este chão com os meus passos, todos os dias. As encruzilhadas suspensas em madrugadas densas, me mostram a distância do teu tempo.

Denise França.

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