QUANDO TODOS DORMEM


O espírito precisa da palavra. Carece. Para que eu amasse, era preciso que eu visse. Para que eu chegasse a ver, era preciso que na minha vontade houvesse uma distância. Nem toda a distância é toda distância. Ainda falta para eu chegar até você.
O espírito das águas reclama e retumba, como o fundo de um tambor. A tua proximidade provoca o meu corpo e me acalma. A respiração de um pulmão, meu alívio sempre chega até as terras desse mundo.
Um aqui e outro acolá, o Brasil nesse mar e o mundo, você e eu. Antes que houvessem todos os outros, havia um, em algum canto, perdido para todos, esquecido ou ao menos, sozinho. O abrigo que agasalha esse manto, é onde eu estou quando piso este chão.
A natureza dá toda a proteção. Cuida. Não sei se o homem nasceu sem natureza. Sem a naturalidade das árvores, dos bichos, o homem se desenvolve sem naturalidade, embrutecido. Nem os macacos conseguem ser assim tão embrutecidos.
O homem é um magno na dor de sua solidão. Com todos em um mundo, com todos em uma cidade, com todos em um quarto, com todos sem a sua mulher. O que funda o homem, neste pais natural, é o amor ou, terem lhe envaidecido nessa clausura humana. Independente da vontade de DEUS, o homem nasceu e DEUS se compadeceu deste acidente e amou com ternura sua solidão a ponto de dar-lhes esta reserva substancial: seus filhos, os filhos dos filhos, a perpetuação de todos eles, os seres em espécie.
Independente da vontade de DEUS, os homens podem acabar sozinhos. Realmente sozinhos, se dizimando, dizimando seus povos e ancestrais. Independente da vontade de DEUS. Independente da vontade dos homens, uma vez mais a natureza se construirá sozinha, por esse processo natural e infinitamente harmônico.
A cidade está dormindo. O dia está nascendo, a cidade está dormindo. CAIOBA. Acordo o que em mim está adormecido. O que nasce com o dia quando os homens acordam? Um sentido, uma direção fronteiriça aquilo que eles vêem. Não há modo ou maneira de encaixar o homem dentro da natureza. A natureza não pertence ao homem.
Esse grande espelho de luz nasce com o dia e sobre uma cidade, o que acorda com o homem, com ele dorme ao lado.
O artifício e o artificial. O suplantado da costela de Adão. Da costela de Adão muitas coisas foram feitas. A mulher, o suplemento. Até mesmo aqui, um galo canta. Neste sítio de mar, o galo canta onde uma mulher espera. Para sempre, levá-la consigo ele espera e quer.
Talvez o mar volte a reinar neste desabrigo dos amores, grandes amores, e se verifique uma verdade neste grande manto verde.
Você viu, os teus olhos viram. Os olhos abertos descobrem as mesmas pupilas. Ocupam o lugar da minha alegria. Neste quadro por onde passou o carinho das tuas mãos, o pintor e sua tela adormecem nestas areias e nestes mercados... Nesta ceia não assim tão farta.
Nestas areias e nestes mercados, meu DEUS, “Como eu gostaria de ser a tua mulher”. O amor faz o amor que me causa, faça desse mundo a sua transcendência. A reconstrução da natureza em outra coisa. Por isso, ser tua não sendo, e ser tua mulher não sendo somente tua a tua solidão, mas também minha. Eu quero. Nenhum passado pode atravessar este desejo em algo que não se completou. O meu querer está acabado, encerrado e realizado agora. Gozo este fim, alcanço e ultrapasso a minha vontade.
Ultrapasso, como todo amor sabe reinar em outras terras. Nativa nesta atmosfera submersa, este sítio tropical engravida as águas submersas num mergulho azul, o céu dos coqueiros, o véu das ondas recuperando a lisura das pedras, tudo o que há, sendo visto, está em mim, comigo e para mim. O sal torna a superfície da pele, prepara e reveste-a de uma nova sensação. O desejo intimo de ficar.
Esse é o meu lugar. Quando tudo não retorna e o mundo se cala. Muitos mais passearão por aqui e travestidos de falsa esperança, continuarão a violar o verde deste sítio marinho, violando e depois fugindo. Esquecidos, cansados e adormecidos, a turba de solitários isolados e decadentes.
Depois, muito tempo depois, uma pequena gaivota será esta têmpera da superfície da areia, nada se vendo senão o mar, o silêncio e um pescador. Estarei sempre aqui com você, abraçada a seu corpo, sendo fecundada por esse mistério para sempre velado entre a natureza e o homem.
Neste tempo, a seu tempo, dizer, eu estou te amando. Eu estou te amando, essa centelha de luz, essa incandescência que vem subindo do horizonte na linha do mar e faz seu reflexo presidir nas pastilhas dos edifícios.
Eu estou te amando é o tempo que o mar conhece. O arremesso do desejo, quantas vezes foram necessárias, nas paredes de pedra. O tempo calcifica essa lembrança como as pinturas rupestres nas paredes de uma caverna. E, depois desse tempo, quando aqui eu não mais estiver, alguns descobrirão este sítio e, para decifrar esse enigma do amor, terão que deixar, do mesmo modo, os vínculos que revestem o medo. E acreditar, do mesmo modo, na eternidade desse beijo.

EU ESTOU TE AMANDO.


Denise França.

Comentários

Postagens mais visitadas