Devoção


No corrimão do sono, escolhido o caminho, o sono aparece depois que vai embora. No final da tarde, neste corrimão vejo deslizar a lembrança, saudade me dá você, a completude da tarde caída, rosa, laranja, azul.
Foi sempre bonito amar, querido. Vou te contar de que modo os amores foram, e esse outro ficou. E um outro amor a soma de todos.
Complica eu dizer onde estimo maior amor. Depois de ido, e já se foram todas as dores, mais favorece entender o sentimento limpo e desarmado. A vida, a marca que me afunda na alma o amado, desse amor eu faço resposta. Agora, quando olho o mesmo corrimão, o corrimão sacudido da memória, agora eu deixo partir, agora eu deixo ir.
Mas eu decido, decido sobre amar, amar mais, sem a razão do senso ou das regras, decido sobre amar pelo simples modo do amor: gostar do gosto da paixão, saborear a variedade do doce e do sal, até o amargo, o insosso.
Decido o caminho, a liberdade de meu bem. Meu bem, bem-amado. Bem-amado por direito, por uso, por posse, por toda palavra de amor dita, aberta, romântica, declarada, plena, profana, no tripé do corpo, do coração, do espírito.
E o ato de amor, comum e particular, simples e complexo. Ato de amor na demora e espera do conhecimento. Ato de amor de receber o que é dado, o que é negado. Entrega minha por todo o passo do tempo. Devoto o meu tempo, ao meu bem-amado eu encomprido. Se por regresso, recuperada a falta, a necessidade, o não-saber faz sentido. Se por partida, recebo todo fim e toda causa. Não é meu, senão meu bem-amado. Este contar, e este escutar, é só o que tenho, e tudo o que quero, por companhia da verdade de dar, dar mais e querer melhor ficar.
Meu bem-amado, recebo, como a coisa é surpresa, como a coisa é mesma variada e sortida. Recebo e me entrego por vontade, por desejo justo do amor. Tempo de um e tempo do outro, sem separação, sem critério de futuro, por devoção mesma de vida e refenda.
Já sabe o que do amor é sabido, meu homem. Falamos juntos essa língua dentro do quarto do nosso ato. Da nossa parte, sendo a mesma de cada um, a vida verdade. Os dois as vezes, muitas, um só. Muitas cores, sombras, estradas, gente, pensamentos, sensações, dores, passam. E é um trem, somos nós dois enroscados, encaixados neste vagão de um encontro por fatalidade de DEUS. Como se DEUS faltando, nos abrigasse em seu amor, o nosso. Eu te amando.
Uma página literária, escrevo todo dia a você por favor dessa sensação gostosa e delicada de viver ao seu lado, de viver e lembrar o teu toque, tua vontade, teu amor me fazendo. Lembrar, viver, querer o mais de uma outra vez...
Meu bem-amado. Uma carta, uma data, um dia, algum livro, quando eu já não estiver aqui. Provocar essa querência de amar, essa folha através do rodeio dos ventos, adoro te ver pensando o jeito de me descobrir melhor. No tripé dos galhos, depois da estação, depois da vida vivida, achar o ninho do nosso amor.

De todos os amores, o nosso, preferência. Nosso nicho de folhas, as que até aqui chegaram, as que atravessaram inclusive o nosso tempo de amar. Não se cansam de amar o amor.


Denise França.

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