A mecânica Celeste


Os homens em exercício. A mensagem que deixa aquele que parte, sabe da invocação de altas montanhas, da invocação dos espíritos. Os espíritos tribais traçam e lêem os sinais das chuvas, sinais dos ventos, sinais deste cio da terra.
Decifrar este anonimato dos espíritos, dos anjos, das soberbas criaturas, e o silencio dos garçons, dos mestres da cozinha, daquele que entalha a cadeira, daquele que volve a lata de lixo. Na madrugada fria me arrasto até este fio inesgotável da última criatura. E a mecânica celeste continua...
Sinais dos tempos. Fissura lógica de qualquer desconhecido conhecimento.
Se eles soubessem do friso das palavras... Ah! Se eles soubessem. Se eles soubessem desse encantamento maior, a mão que se estende. Circunspeto um dia, na cadeira do escritório, descobrirá que sua secretária lhe tinha amor, desvelo e amor. E descobrirá que um dos filhos gostaria de ser enquanto ele, sendo melhor. Melhor faria o filho, depois que aprendera a gostar, amar as amantes esquecidas do pai. E descobrirá por detrás da caixa imóvel, no armário escuro no quarto depositado para nada, uma moeda de prata, uma insígnia de criança para um futuro que ninguém galgou.
Se eles soubessem que a vida vivida, esse passe sobre eles, nada mais produziu do que sulco gástrico de infinita irritação. Esse alfanje da irmã morte, o quanto tem representado sobre o último instante apenas o sorriso e o escárnio de vitória.
Coloco sobre a lente da vida, a pérola da esperança. Nesse baú da memória, o pó aureolado e colorido de muitos comprimentos, de muitas manhãs, de muitas estrelas sobre a noite, de muitas crianças sossegadas e atentas entre os barquinhos, concretizando o desejo de mudança.
Coloco sobre a mesa, quando chego, isso que representa outro tempo, outro povo, outra possibilidade, outro modo de ser e viver. Coloco sobre a mesa o movimento da vida sobre o ser-humano, a transformação, a suficiência, as fronteiras do saber, os segredos da alma, a língua dos anjos, o silêncio dos escribas, para que aproveitem.
Para que aproveitem, eu vou até onde devo estar. Para que aproveitem esta passagem de um tempo a outro tempo, que façam jus a esse arrepio do amor quando a eles alcança a pele e se descobre nos arroubos dos lençóis. Para que façam jus a essa centelha de novidade numa profunda introspecção de séculos e séculos, até que se abra em definitivo a tumba da recordação e coloque-se essa figura humana diante dela mesma, viva.
Para que aproveitem, enquanto estou aqui.


Denise França.

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