MARIA APARECIDA

(a Adna Jak e Cida) .......


Só podia ser Maria... Só podia ser você, Maria. Minha Maria. Ate os homens se esquecem daquela mulher. E as pedras do deserto, sabias tu, quantos reinos passaram, minha eterna Maria.
Evoco a tua presença. Em meu nome, outra Maria. A distinção dessa aparência, tão jovem, sempre menina. Simplesmente menina.
......
Na cachoeira, as pedras cantavam aproximadas ao toque das águas. Podia-se ver o fundo, de tão cristalina. Meu cavalo, havia-o deixado ali, para descansar, tirei as botas, afundei o cantil na secura do meu entusiasmo, os outros ficaram atrás....
Vim só, ca ver, de longe já pressentia beleza igual, fonte de água, cascata, o tocoinho de uma esperança. Fui vindo, devagar, acalmando minha surpresa. As matas retinem e falam, soçobram e cantam, dão largura, profundidade, conforme o desejo nosso, de ir, de ficar, de se enterrar.
Arre, não e mais o tédio, quando apegado a luta, ao trabalho, muito ao contrario, o grito de invocação. Como se gritando dissesse, aonde estas por procurado, te encontro aqui, achado. E assim fui, beirando, ladeando o rio, os pés descalços. Já as arvores começavam a fechar, a faxinar o rio, e vi ali pobre endereço, humilde capela, já o mato entrando, ninguém estava, nem circulo de gente firmado no chão.
Um acordo no meu coração, que entendo por emoção o lume deste lugar. Capela, devoção, ato firmado, consolo, e o coração que retine, da uma folga, e as idéias começam atentas a divulgar estado, vulto, montante ou resto de uma estória. Catava com os olhos todo o indicio, ainda podendo ver a gloria de um lugar, entender passo a passo, acostumar a aparência nos detalhes, o sim e o não, o verso e o adverso.
Fico aqui essa noite, e assim me atentei nessa vontade. A fome que mergulha o coração na falta de um amor. Pois não fosse saudade, queria ficar ali só olhando, contemplando, fechasse um pouco o meu corpo na escuridão, anunciasse a noite, e a solidão fosse acertada companhia.
Manejei o fogo, com uns pedaços de lenha. E olhei a primeira acha de quentura, nada pode o corpo sozinho, sem o ninho de um outro braço. Fiquei só desde criança, de um lugar para outro, cidade, estado, pais. Fiquei só desde criança, pra valer a sorte, o destino, e não temer o abandono. Fui me resolvendo na aproximação da noite, e era de espantar, não havia ninguém comigo, mas a lembrança aos poucos se cumpria na presença de mais alguém. Ternura e carinho, alegria, sorriso de criança. A manta quente do colo, nicho de afago, uma voz prematura me saudando ali naquele lugar.
Os dias da fome, os dias de frio, e difícil querer a fome quando não se tem o que comer. Saber desde o inicio, quando se olha para os olhos de alguém, prestado o serviço não e o mesmo que gostar. O recebimento não da alegria. Não da alegria de sorriso, gosto de beijo, gosto de abraço. Nessa hora servida, a comida pode aquietar a fome, mas a humilhação afunda a barriga feito soco no estomago. Olhar para ninguém no ali sozinho, outro canto da miséria, se a pessoa humana procura abrigo em outra pessoa, refugia-se no medo. Ficar só tem outras mostras, depois de ver a aparência, experimentar o saldo.
Aqui fico eu, firmado nessa entrega de reparar o jeito da coisa, e olho sempre ao meu redor, as vezes e o imediato, simplificado. As vezes, vai de dar um tempo em outro tempo, aos poucos aparece a razão. Consultar o coração, ate onde pode enxergar em seu poder o sentimento. Todos os ruídos ali, naquele lugar, me chegavam aproximados, o espírito da natureza, a voz de uma aliança. Ternura e compaixão de Deus, cobria e quebrantava o meu inicio de sono.
Chegava linda presença, pousava um anjo. O homem acabado, de barba na cara, só adormecido pode vislumbrar tamanha leveza de espírito. Aonde a criança socorre e divulga esse acordo com Deus, a vida em paz. Na janela do sonho, o homem menino coloca os cotovelos no umbral e vê o quintal, o jardim, toda brincadeira, todo sonho, todo apelo de novidade. O homem esquecido esta ali numa parcela de significado, a caixa de segredo onde a criança nomeia tudo aquilo que descobre.
Divina e caríssima mãe, Aparecida. As tuas artes, os teus festejos, teu brocado e tua canção, mais do que a oração de uma vestal, e essa voz miudinha que vem nascendo e percorrendo as ruas desta cidade, deste lugar. La de longe, o lugar miúdo, pequeno, o lugar escondido, o lugar esquecido, onde o povo e a sua humildade ajudam a carregar o manto e a cruz do teu filho, Jesus. Neste tear da lembrança de tua gente sofrida, Aparecida, quanto a criança sente o teu carinho de mãe, a tua proteção.
Esse e o teu encanto, de não deixar passar o lamento e a solidão de um coração. Mansidão, de só chegar firme no carinho de um momento, quando enfim esse homem se levanta, cansado e com a cicatriz em flor de uma vida, sofrido se deixa ser levado e conduzido por essa criança, Jesus, aos teus pés, Aparecida.
A pureza do teu espírito, minha mãe, contanto que anda sempre nesta sola dos meus pés, aonde vou, aonde me indicam os teus caminhos, para acreditar e suspender uma verdade, buscar a justiça, colocar o perdão, ladrilhar essa estrada com a utopia e o desejo de um povo, em todas as gerações guardados sejam os seus sonhos..
Nessa jovem hora da manha, uma guinada de luz arranca o meu sono. A de ver que participo ainda deste mundo, e num ínfimo, a gota mesma no fundo de uma garrafa, faz daquele derradeiro encontro, a herança recebida. Desato a aprumar meu corpo, levanto e me sacudo, separo a minha entrada e a minha saída desse lugar como um tempo de revelação. Meus camaradas me esperam, estimam minha presença de chefe, autoridade nessa prestanca. Procuramos o homem e achamos o lugar. Olho pra tudo isso, quanto se há no olhar de fuligem, e, parando aqui, um desvio que a gente mesmo fabrica, previne a sorte do seu sortilégio, Mãe do meu destino. Aparecida, se retardo minha chegada, para contigo ficar, olhando teus olhos, feitio de mulher, delicada esperança, aonde tardas, alcança.
Por adotado, fui. Não sofro mais meu penar da solidão. Nem espero milagre que reverta os meus ais. De tudo já vi um bocado, agradeço aonde me estendo, qualquer viela que me recebe como provedor de boa sorte. Neste tear de todos os meus cumprimentos, toco a ti, a natureza do teu corpo e teu espírito. Sempre menina, já nascida contigo a sabedoria, minha vida la no fim, madura e precisa, adiantada que abre, como bandeira, para endireitar o caminho alheio. E aqui o meu lugar, Aparecida.


DENISE FRANCA.

Comentários

  1. Ua!!!!! Tô me sentindo importante. Que lindo!
    Obrigada é um belo texto.
    Td de bom para vc.
    Adnajak

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