A SEMENTE


Uma árvore é semente. Semente ainda que finita. Infinita árvore, de galhos infinitos.
Infinitas folhas, ainda que finitas.
Finitas estações.
Estações de chuva.
Estações de dia.
Um único dia, uma única noite.
Uma única noite num dia, há cem dias atrás.
Há cem dias numa única noite, nesta noite secular.
Falem-me de sentimentos, senhores, provoquem ou provem a existência de um único sentimento que seja. Não é que eles, os sentimentos, foram provocados?
Os sentimentos sentidos não são o menor dos sentimentos. Não são o menor dos sentidos. Que se lhe sintam a eles, os sentimentos, em cintura, para responder na forma dessa resposta.
Entanto resposta caluda ou calada. Resposta que acaso me ocorre escutar primeiro. Neste TERCEIRO, que no entanto é quarto, desse encarte, é o mais próximo que nos pode chegar.
Lacan, o mais próximo, ao menos um que o distinga o sentido, é este ao lado, outro sujeito.
Outro sujeito de fundo, outro sujeito de história, que pode menos contar, que pode menos ao ver-se. Ao ver-se-lhe este, que deste isto transcende, isto suposto ocorre neste efêmero.
Não me ocorre dizer letra que caiba. Letra que se ajuste a isso. Letra suspensa que decorre de um passado e se afirme neste limiar de um presente quase futuro. Mas ao modo deste futuro que apenso particular, é um gesto que deixa a essa presença, este ao menos um ao lado.
Ao menos um ladeado, lado a lado, quase amado. Quase ao pouco para amar, na aparência de qualquer outro sentimento.
Mas entanto parecido, não é igual. Jamais será ao lado igual a este. Embora este familiar e esquecido.
Agora que me lembro, não poderia esquecer. Mas esqueceste? Eis que este c’est. O que foi a tua semente, esqueceste?
Não me importa mais o que isto foi ou é. Mas que isto será. Mais que isto, só pode ser. E portanto e, para tanto, errar sem destino. Errar numa órbita ausente. Outra árvore, outro ramo.
Velozmente, Velloso... Sempre estranho, sempre antes a esse, outro sujeito deste ramo. Que fica nesta coluna, um segmento desta idade. E desta ida a l’una de outros tantos. Aluna desta lida sem descanso ao imprevisto.
Nossa conversa, nossa adversa, nostra palestra. A nós sempre adversa palavra que ao fundar um sentimento, um outro sentimento conhecido em aparência. A transferência. Ao acaso deste limite da lembrança, que não permite que sobre com eficiência, outra palavra. A que faz a diferença, a que esta ciência, a Psicanálise, procura.
O menor dos sentidos. Aquele que menos sente, cogita. Aquele que menos sente, o aprimora e provoca. PROVOCA.
Aquele, um dos mais recentes. Quanto ao que ressente, todos nos ressentimos. Um ressentimento que acaso guardas. Guardas um ressentimento numa idade, noutra idade provoca o mesmo ressentimento? Pra onde o estavas levando? Se o sentido que o sentimento procura ter se prende em aparência, não é de duvidar que a aparência desse sentimento seja outra. A aparência da culpa. Sentimento de culpa.
Há dois tipos de sentimento: os sentimentos produzidos e os sentimentos provocados. Alados...
Os sentimentos produzidos são os ressentimentos, dos quais toda fantasia tem sustentação. Os sentimentos provocados, dos quais a ironia é um modelo, se sustenta na idéia ou no pensamento. Se sustenta numa forma de raciocínio que invoca uma situação. Provocados, como a própria palavra diz: incitados, estimulados, e “vocar”, que significa colocar voz aonde não há ainda nenhum elemento de distanciamento .
Existiam os sátiros que censuravam ou criticavam um discurso de maneira chistosa. A ironia, no entanto, é um apelo a resposta do outro, resposta ao mesmo nível de raciocínio do sujeito. Freud era irônico, Lacan também era irônico. Os dois falavam e sustentavam um discurso do qual muito pouca gente tinha capacidade de responder ou manter uma dialética dentro daquele nível de raciocínio. Tanto isso era verdade que, ao serem escutados, produziam as mais diferentes reações no público. E, dos que ouviam, alguns se mantinham ali e continuavam e outros saiam e produziam pensamentos ou idéias. Porque ali, o que estava em causa era o Outro. E por ser assim, os que não escutavam, só poderiam produzir idéias e pensamentos, nada além disso, nada além daquilo que constitui o interesse humano em essência: valores objetivos.
“O objeto de interesse humano é o objeto do desejo do outro.” (LACAN, “As psicoses”, pg.50).
A religião transforma esses objetivos preliminares em valores espirituais. Onde se pretende que se possa encontra-los alem, sempre mais além e co - extensivamente ao sujeito.
Discordância fundamental: a história do Ego é uma, a história do Sujeito é outra. O SUJEITO não é aquele que conta. Aliás, não conta mesmo. Porque o Ego é um repositório de ilusões, e o sujeito sempre se encontra, alhures... Num vago sentimento, aquele sentimento passageiro... Aquele pequenino mal-estar.
Falem-me senhores, de acaso. Somos o acaso de um sentimento? As servas da emoção, as palavras que me destituem deste poder aonde meu mando é a loucura da escravidão. Falem-me de acaso, senhores. O ACASO não existe.

Colégio Freudiano de Curitiba – Associação Cultural Jacques Lacan.
ANO DE 1999.


Denise França.

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