ATALHO

O tempo perdido, o tempo passou, foi um desatino. No tacho lustroso da memória, perpassado de voltas, arre, escandido o espelho mostra. Não há mais bronze nem escudo, do que o escudo chapado no toque do pulso. Pois eu digo, quantas voltas eu dei para chegar aqui, nesse ponto. Se o tempo de repasse, foi o tempo perdido.
Valha-me DEUS, se as migalhas da miséria não se encontram ai, nesse atrelado do tempo, onde não volta o mesmo aquilo que se foi. Quando a gente sabe se chegou, o ponto sabido se parece com a memória. E olhando e vendo: me lembro, por aqui já passei, se a pegada é morna, dá a distância, presta para ver e antever.
Os olhos podem descobrir, coisa que se aprende depois de muito chão. Os olhos podem descobrir... Os olhos podem descobrir o falso ouro, companheiro, o desdito, aquilo mesmo de não vivido depois do tempo descasca, e aparece no fundo o ranço da mentira bruta.
A estrada mesmo se decompõe na urdidura, no faz faz dos anos idos. A estrada mesmo desaparece, quando a história toma outro rumo. O lampejo que se acende de uma prece ouvida, as vezes da uma outra condição de vida, e na dobra do caminho, a surpresa do encontro.
O descampado da visão, quando a estrada se estreita, e se acaba. Acabado rumo, feito o peito, um brejo essa desesperança. Mas o atalho urge, se achado é por força da desgraça ou por abandono mesmo.
Percebo aquele silêncio dentro de mim. Madrugada escura, a neblina tange o caminho. Se espaça a batida do coração, haja chegado o momento. De vis a vis, encontrar a face do meu destino, onde ela se apresenta feito mostrando um outro acordo, de uma outra sorte. Como se esse acordo estando ali, para uma outra natureza servisse.
Esbarra nessa impossibilidade. As patas do cavalo estacam, o arreio puxa, o bicho relincha, e as patas não arredam. E o peso que vem, todo peso, o animal percebe o sentido, existe outra força, a presença advertida que se levanta.
Nesse momento, nem seja por precaução do avisado da hora, mas por respeito a grandeza maior, descer do cavalo, segurar o arreio e conduzir o bicho. Tudo se espera, porque é crido o momento de atravessar.
No escuro, tocando o corrimão da própria sorte. Quando se ajunta a essa hora, o derradeiro. Os olhos podem descobrir. Descobrem o outro rumo, de igual passagem. Outra pessoa, no curso dessa estrada como em favor de um aviso. O tempo tem muitos modos, a fração de um instante, a luz que pisca, o vaga-lume está ali no seu ir, a sentença de um estado. O caminho nem sempre é a estrada, a estrada pode enganar, o rumo e enxergar a deriva do esperado.
Os olhos podem descobrir...



Denise França.

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