A COMPOSIÇÃO DO BEIJO (20) - DENISE FRANÇA

Curitiba, 24 de julho de 2012.

"ENSAIO DE LUZES" (FICÇÃO): TEXTO DEDICADO AO DOUTOR FLAVIO GIKOVATE

INSPIRAÇÃO VIGÉSIMA:  ROSA

A complexidade das diferenças e do universo ao nosso redor, nos atribui a tarefa de investigação, assimilação, entendimento. Não é possível a convivência sem essa capacidade e sem esse suporte.
Cada pessoa é particular, cada pessoa, mesmo se aproximando do grupo onde convive, família, escola, trabalho, ainda assim, é particular.
Só conseguimos absorver e assimilar a diferença, quando saímos do nosso núcleo primário, e conseguimos desmembrar essa identidade que nos recobre. Para isso, necessitamos adquirir flexibilidade, humildade, serenidade.
Precisamos querer isso, porque senão nada acontece...

Percebo que as pessoas sentem dificuldade de elaborar mentalmente os sentimentos, as emoções, os pensamentos... E essa dificuldade faz com que se tornem sugestionáveis, e busquem fora modelos de existência, identidade... O pertencimento a um grupo.
Com certeza, tudo aquilo que dizemos e repassamos aos outros, em algum momento foram coisas escutadas, e repetidas por nós, sem uma visão analítica e crítica. E, essas palavras, ou condutas, depois, se transformaram em nosso próprio costume.

É essencial ao ser-humano sair da sua concha, e procurar assimilar outros modos, e outras realidades, fazer a leitura de seus processos mentais, físicos, espirituais... Significar o seu impulso, motivação, direção.

GIKOVATE estava sentado em sua poltrona, com seus óculos fazia a leitura de alguns parágrafos que iria falar ao público. Com as pernas cruzadas, ele se mantinha sério e pensativo. Eu o observava atentamente. Estávamos só nós dois naquele momento, e eu havia chegado a umas duas horas mais ou menos.
Gostava muito de observá-lo trabalhando... Nesses momentos observava a sua introspecção, o pensamento, a dinâmica que o motivava mais e mais em sua avaliação, e é claro, observava cada detalhe dele enquanto homem. Sua expressão fisionômica, suas mãos finas e suaves, o relógio, a corrente ao pescoço, a camisa, o paletó, o sapato, o conjunto todo, e à medida que observava ele, sentada em uma banqueta diametralmente oposta a sua poltrona, isso me envolvia numa névoa de ternura e cuidado.
Cuidava de vê-lo e de não perturbá-lo, tirar sua concentração... Mas, inequivocamente, ao contrário, quando mais  o meu silêncio se tornara um afago em seus cabelos, ele, telepaticamente, largava os papéis, sorria, levantava-se e vinha em minha direção.
Colocava-se entre as minhas pernas, na banqueta, e me abraçava, e me beijava, e reconstituía o nosso espaço. Eu abria o primeiro e o segundo botão de sua camisa, perfeitamente lisa, e beijava seu cangote, alisava seus pelos do peito, gostava de fazer isso, como uma espécie de calmante, e tranquilizador para ele, antes de começar o seu momento junto ao seu público.
Tudo isso era muito rápido, mas era irremediavelmente mágico. E, por ser assim tão rápido e fugaz, mas abastecia o nosso ânimo sentimental e emocional, nos dava prazer e vontade de ficarmos a sós mais tarde...
Isso era muito bom.



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