O PONTO NEVRÁLGICO E O PONTO ESTRATÉGICO DA CRIANÇA - DENISE FRANÇA

Curitiba, 05 de junho de 2012.

O PONTO NEVRÁLGICO E O PONTO ESTRATÉGICO DA DOR

Retomando o viés do enredo, onde fui, lá eu era. Onde o id era, o eu há de vir.... coisas de psicanálise.

CONTINUO NA DESCOBERTA,  novos conceitos....

A lembrança da minha própria vida me enriquece de significados novos... E,hoje de madrugada, ao acordar, me lembrei dos guarda-roupas aqui de casa, na minha infância. Eram pontos estratégicos. Tudo o que era proibido e interessante para uma criança se encontrava em cima do guarda-roupa. Os guarda-roupas de imbuia maciça,  pesados....  Abria uma gaveta, e subia em cima, como uma escadinha. E lá começava a verificar tudo o que era novidade... Depois, eu e meu  irmão pulávamos lá de cima na cama de mola...

No guarda-roupa do meu pai, guarda-civil, tinha a grande mala com o material de polícia... No guarda-roupa da minha irmã, 8 anos mais velha que eu, haviam muitas revistinhas do pato donald, mikei,  ela colecionava com muito cuidado.... hahahahaha. 

A DITADURA. O meu pai era um cara inteligente, com essa "bagagem" toda advinda da ACADEMIA INTERNACIONAL DE POLÍCIA. Mas em relação a ele e a minha mãe, sentia medo e angústia. Homem autoritário, minha mãe também, e nervosa.... Não havia diálogo, não me lembro de ter conversado com o meu pai, a obediência em primeiro lugar. Tinha um agravante ainda  maior,  eu era uma menina, e menina não tem vez. Meu pai praticamente decidia tudo, quando cheguei na adolescência, pobre de mim. Não podia namorar, ele não deixava e dizia: antes de casar, tem que fazer a faculdade. E eu passei a adolescência toda, morrendo de vergonha das minhas amigas que faziam festinhas, e dançavam, e se relacionavam com os meninos, e eu não podia ir, porque meu pai não deixava. Cinema, nem pensar... E era assim, não tem conversa, e pronto. Chegava para minha mãe e perguntava se podia, minha mãe dizia: não tem conversa, e pronto. Por que?! "PORQUE EU NÃO QUERO!". E pronto.

A Escola Técnica, CEFET, foi um grande referencial para mim, um dos mais marcantes e decisivos. Conheci professores, escritores, gente do teatro. Na verdade, os desenhos que fazia nessa época não tinha nenhum teor de RETRATO-FALADO como o meu pai queria que fosse. Eu era uma desenhista que seguia os modelos das Belas Artes, as aulas do FERNANDO BINI me impressionavam, e eu queria mais e mais desenhar e me especializar.... Eu desenhava nos bares, conversando com meu grande amigo Gilberto, e professores, desenhava nas praças, desenhava nas ruas.... E isso atormentava muito o meu pai, e minha mãe. EU ERA UM BICHO ESTRANHO. Quando começei a me decidir neste sentido, meu pai disse: ISSO NÃO VAI DAR DINHEIRO NENHUM... E quanto mais eu tinha talento, e mais escolhia minha direção, mais ouvia do meu pai, isso, não dá dinheiro. BICHO ESTRANHO, DIFERENTE....

FALANDO DE GUARDA-ROUPA, isso foi se tornando um fardo bem pesado, escutar todos os dias os dois falando a mesma coisa, e querendo outro caminho para mim. A força sempre vinha dos amigos, e professores, que reconheciam o meu talento, para desenhar, escrever, etc. Nossa, como eu agradeço esses amigos, que sempre me colocavam pra cima, não deixavam a peteca cair.

EU NASCI EM 1965, DITADURA MILITAR. Meu pai trabalhava na SEGURANÇA PÚBLICA,  e falava sempre no DOPS, os  comunistas.... Um dia, não sei exatamente quando, descobri que minha irmã era uma comunista.....hahahahahaha....... Minha irmã entrou na FACULDADE DE ARQUITETURA, e começou a namorar o Cláudio. O Cláudio era uma figura, ele simplesmente não abria a boca. Eu só me lembro da manteiga que minha irmã comprava, porque quando ele tomava café aqui em casa, tinha que ter a manteiga... coisa rara. E, todas as vezes que minha irmã saía de casa, deixava o quarto trancado. 

Um dia, eu e meu amigo, Gilberto, entramos no quarto com outra chave, e começamos a escutar o som de MPB e música clássica, os discos e a vitrola que só ela utilizava... E é claro, descobrimos muitos jornaizinhos da UNE, no quarto dela, e descobrimos o motivo do Cláudio ser tão calado na presença do meu pai....hahahahahaha.....

Eu e o Gilberto tomávamos o cuidado de não deixar qualquer identificação nos discos, cebolões, dedinhos e coisas do tipo.... Mas, ela acabava descobrindo e brigava comigo.... Eu não sabia quem era minha irmã, porque a diferença de idade entre nós duas era muito grande. Não tenho lembranças da minha irmã, na infância, só do meu irmão com o qual brincava. 

Minha irmã acabou a faculdade de arquitetura e foi embora de Curitiba, procurar emprego.... Hoje,  a Beti é uma grande e famosa arquiteta. Dei um codinome pra ela: BETI PAULISTA. ´Já é cidadã honorária de São Paulo.  A Beti só passa por Curitiba umas duas vezes por ano....

Mas enfim, agradeço a ela, os discos, a oportunidade de escutá-los, mesmo escondida, porque foram de grande valia pra mim. A música hoje é fundamental na minha existência e no meu bem-estar espiritual.

A DITADURA E A REPRESSÃO. As crianças tem os pontos nevrálgicos, de grande dor e sofrimento, e tem os ponto estratégicos. A gente tenta se safar, e lidar com a dor de alguma maneira. Eu, desde muito cedo, aprendi que o meu pai não era o meu pai. O meu pai era meu avô, e era meu avô que me transmitia segurança, paz e tranquilidade. Meu avô estava sempre presente, e me ensinou o ofício de carpintaria, e outras coisas mais.... Era um italiano de paz, amigo, compreensivo. Eu não sentia medo dele, gostava muito de ficar ao lado dele,e sinto muitas saudades deste velhinho. O LUGAR E A SUA FUNÇÃO: O lugar de pai ou mãe, nem sempre são preenchidos pelas figuras biológicas.... 

A NOÇÃO DE SI MESMO: em algum momento em nossa vida, na infância, ou pré-adolescência descobrimos isto, somos nós mesmos. É uma coisa engraçada, mas em algum momento, a criança tem a noção de si mesma. Eu lembro disto. Eu sabia que era uma menina, e desde pequena, meu pai cortava o meu cabelo muito curto, com franjinha. Eu estudava no Colégio de Freiras, e as meninas usavam cabelos compridos e saias. E minha mãe me mandava pro Colégio de cabelos curtos, franjinha torta, e de calças. Nas fotografias escolares, eu saía bem lá no cantinho. Era ali onde as freiras me colocavam... por causa da aparência de menino.

Eu não tinha problemas em estar assim, e nem tive problemas sexuais, porque sempre gostei da convivência com os meninos, e posteriormente com os homens, hahahahaha.... Aprendi sobre o universo masculino bem antes, e isso não me trazia constrangimento, nem aversão, muito pelo contrário, foi ótimo.... O que eu nunca gostei e continuo não gostando, são as conversas entre mulheres, a repetição e a mesmice, o universo feminino, dentro daquele parâmetro cultural, mãe, filhos, nunca me seduziram.... Não dava muito pra acreditar nessas conversas, porque sempre me transmitiram apenas uma sustentação necessária para o feminino, e não uma realidade verdadeira.

Os pilares pelos quais eu cresci, e minhas convicções, partiam de outros pontos: justiça, liberdade, amizade, paz, igualdade, e ultrapassar os limites.... Porque a minha condição, onde me colocavam, ou queriam colocar, exigia de mim que eu tivesse força para suportar e ultrapassar... Lembro de minhas amigas, amigos, sempre prezei muito a amizade, e sempre fui leal, sempre tive conversas verdadeiras com amigos e amigas, procurando a verdade, procurando a origem, procurando a descoberta, e resolução dos problemas.... Nunca fugi disso.

Eu não tinha necessidade de provar aos outros o que eu era. Porque eu sabia que era aquilo ali mesmo. O olhar do meu pai e de minha mãe sobre o que eu era, e fazia, me traziam tristeza, constrangimento, mas eu ia mais adiante, sem deixar de ser e apostar naquilo que acreditava. Sustentava a minha verdade, doesse o que doesse, custasse o que custasse. E garanto aos senhores, não custou pouco, custou muito caro.

Eu não tinha sonhos de casamento, mas tinha sonhos de amor, romance. Não tinha sonhos de me formar e conseguir um diploma, mas sonhos de saber e conhecimento. Sempre fui autodidata, procurava porque queria, e gostava de aprender. Aos mestres, tinha grande respeito, mas não os considerava os detentores de saber. No Cefet, eu namorei dois professores,  na idade de 18 anos, mais ou menos... Um escritor, e outro, psicólogo.  Eu era muito apaixonada pelo escritor, fiquei quatro anos vivendo uma grande paixão, a primeira de todas... E, só a pouco tempo atrás, fui saber que ele também era apaixonado por mim naquele tempo... Naquela época nós nos aproximamos um do outro, nos encantamos, mas eu imaginava que era só do meu lado. E, quando encontrei  ele novamente pela internet, pude saber tudo o que ele realmente sentia por mim naquela época... Puxa vida, como isso é legal, a paixão, o amor...

Eu podia me envolver com professores, mas não era um aluna que usava seduzir para conseguir algum benefício. Simplesmente eu falava a mesma linguagem que eles, e não me sentia inferiorizada, ou achava que eles eram superiores a  mim. Eu não via o saber como uma coisa acabada. Eu via o saber, o conhecimento, com bases na realidade diária, vivida de cada pessoa... 

Dos invejosos, que adquirem conhecimento para outra função, a do status ou a do dinheiro, destas pessoas eu escuto até hoje frases como essas:  "Você não se formou....", "Você não é psicóloga...", "Você nunca acabou o que estava fazendo....".  E, meu queridos, isso é uma abordagem sistemática na minha vida, esse tipo de comentário sempre existiu, e eu tive que me haver com ISSO.

NÃO TENHO QUE PROVAR A NINGUÉM O MEU CONHECIMENTO. O QUE EU FIZ, SEI QUE FIZ...  O DIPLOMA PARA MIM, NÃO SIGNIFICA NADA, EM RAZÃO DAS BASES QUE SUSTENTAM A MINHA VIDA, E A MINHA DIREÇÃO.... 

O contingente de pessoas que se formam, é enorme hoje em dia, advogados, médicos, etc. E, aquela visão que eu tinha aos 20 anos atrás, hoje se comprova nitidamente, o estudo não garante o CARÁTER a ninguém.... O CONHECIMENTO OBTIDO na escola, ou faculdade, não comprova o caráter de ninguém.... E a vida, a vida nos ensina muitas coisas....

A ESSAS PESSOAS QUE PENSAM DESTA FORMA SOBRE A MINHA PESSOA, EU NÃO DEVO ABSOLUTAMENTE NADA. Isto só faz provar a miséria delas, preconceito, e falta de capacidade para absorção do ser-humano  em suas infinitas possibilidades.







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