A COMPOSIÇÃO DO BEIJO (05) - DENISE FRANÇA

Curitiba, 16 de junho de 2012.

"ENSAIO DE LUZES" (FICÇÃO): TEXTO DEDICADO AO DOUTOR FLAVIO GIKOVATE

INSPIRAÇÃO QUINTA: CINZA

Mesmo a cor é fruto de nossa inspiração. A outra pessoa em nossas vidas, colore ou nos deixa desabrigados conforme a posição e a forma com que nos colocamos. Gikovate, estava ali, deitado, dormindo, e eu estava a olha-lo, e pensei, a quem eu via. Mudei minha posição, dei uma volta ao redor da cama, e novamente olhei aquele homem dormindo, a quem eu via.
O sentimento suporta muitos seres, suporta convicções que nos são transmitidas, mas não suporta o ingrediente da manipulação, e nem da desonestidade. Portanto, olhei uma terceira vez para ele, e quantas vezes pudesse olha-lo, a manifestação deste sentimento era alheia a minha vontade, era uma manifestação, como o são as manifestações daquilo que se dá autenticamente, sem o esforço e a prepotência de criar onde simplesmente não existe. A outra pessoa existe.
Esta liberdade de estar e ser, de ir e vir, precisa da renúncia desta imagem ilusória e refratável de nós mesmos, essa imagem de identificação paliativa que nos conduz apenas a um estágio e a uma localidade do corpo do vivente, não se adapta nem à diversidade, e muito menos à veracidade.

A beleza de capturar a expressão do amado, os traços, o gesto, a tonalidade da voz, a brandura das palavras que brotam e se dirigem a nossa pessoa, o reconhecimento.
Reconhecimento não é uma palavra vã, mas elaborada através de décadas, precisa de vida experimentada, vivida.
Observava ali Gikovate e capturava justamente isto: ele era só. Sózinho. Gikovate era capaz e admirável no enfrentamento da humanidade porque conseguira operar esta solidão maior, a de todos nós. E por isso mesmo, capaz no AMOR.
Sua presença era efetiva em razão disso, não importando estar ou não-estar. O animal humano camufla a possibilidade de ser reconhecido diante de si mesmo, e diante dos demais. E isto faz com que a sua aparência suponha que ele tenha alguma consistência , e aí ele se faz real lá onde não se encontra.

Não me despedi dele, não o acordei para isso, porque não estava indo embora.




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