INFECÇÃO - DENISE FRANÇA

Curitiba, 26 de junho de 2012.


A VIDA COMO ELA É.

Quinta-feira passada, eu e o dentista demos curso ao tratamento para o implante. Ele apenas abriu e colocou um pino para manter a gengiva aberta até  fazer a modelagem do dente...
Na sexta-feira, continuei minha vida diária, não tomei nenhum remédio, só chá de malva, e fiz o que sempre faço, o trabalho doméstico, etc e tal. No sábado, de manhã fiz exercício, e assim consecutivamente. No domingo, uma festa joanina aqui em casa em homenagem ao meu avô Joanim, desde manhã até a 22 horas, em atividade.
Nenhuma cirurgia me faz parar, sempre continuo minhas atividades. E nem se eu quisesse poderia parar, porque o meu SEMANCOL, faz com que eu não deixe meus pais fazerem o trabalho aqui de casa...
Contudo, domingo e segunda-feira, começou uma infecção na gengiva, e se estendendo pela boca.Liguei para o doutor e fui falar com ele. Ele ficou surpreso, porque em dez anos como paciente dele, nunca houve nenhum problema. E ele ficou preocupado, e eu também. Recomendou que tomasse Amoxilina, e fizesse uma  panorâmica da boca.
Esta noite, não dormi, fiquei com dores, e a boca inchada, principalmente embaixo da língua. De manhã cedo, peguei a minha bike e fui pedalando até o centro para fazer a panorâmica, o maior frio. Fui e fiz, e logo apresentei para ele. Ali não havia nada de errado, ele achou que a infecção não era resultado do implante, mas talvez de outro dente, ao lado. E, recomendou um outro dentista, amigo seu, que trata de canal, para fazer uma avaliação.

Cheguei em casa, e pedi ao meu pai, para me levar até o CABRAL, pois eu moro nas Mercês. Ali começou a via Cruzis. O meu pai começou a falar, e começou a despejar em cima de mim, tudo o que faz a quase quarenta e oito anos.... Exatamente as mesmas palavras. Só que eu respondi. E quanto mais eu respondo e falo o que penso, mais ele fica agressivo, irritado, furioso. E não adianta, porque eu sou assim, não posso e nem devo concordar com as coisas que fala.

Disse que eu sou uma pessoa que se isola. Esse isolamento, na minha juventude, foi causado em razão dele não me deixar viver como todo mundo da minha idade vivia. Mas isso não foi o suficiente. Além de me isolar dos amigos, me isolava das pessoas, distribuindo a todas as pessoas da família uma IMAGEM que não corresponde aquilo que eu sou.
Eu disse a ele: "O senhor se lembra daquela vez que chamou a polícia em frente à Igreja dos Capuchinhos, para me prender????"  E ele disse: O que?! Eu fiz isso??? Eu nunca fiz isso!!!!

MEU DEUS!!!  Eu estava dentro da igreja, assistindo uma missa, e tive vontade de cantar. Porque estavam tocando em camerata, JESUS ALEGRIA DOS HOMENS, fiquei emocionada e começei a cantar. Mas estava cantando porque sabia  cantar. O segurança da igreja, chegou ao meu lado e disse: Denise, pare de cantar!!!. Eu olhei para ele e disse: Não vou parar... E ai, minha gente, absurdamente, aquilo virou uma briga, e ele me pediu que eu saisse da igreja. Eu saí, e lá fora meu pai veio de encontro, porque alguém havia ligado para ele. E começou a me repreender, e ele disse: "CHAME A POLÍCIA!!!"

Eu fiquei atônita e disse para ele: "chamar a polícia, então chame!!!!".  E ai, o segurança disse que não era razão para isso. Olhem o absurdo da coisa.

Outro fato, minha avô de 94 anos de idade, mãe do meu pai, estava no Asilo de idosos, uma pensão. E, num sábado, a mulher que cuidava daquele lugar, ligou para casa as 23 hs da noite, e eu atendi o telefone. Ela disse que minha avó estava mal, e tinham levado para um posto de saúde. Meu pai atendeu o outro lado da extensão do telefone e disse para ela que iria no outro dia ver o que estava acontecendo. Novamente, fiquei atônita, saí de casa andando, e peguei a Avenida Manoel Ribas, a pé, em direção a Santa Felicidade para ver minha avó.

Aconteceu uma coisa extraordinária: eu pedi carona para um  carro que ali passava. Só pra chegar até santa felicidade. E o cara me perguntou aonde eu ia. Eu disse: vou até o pensionato de fulana. E o cara disse: nós conhecemos, te levamos lá. Isso é extraordinário, e sempre acontece em minha vida, nas situações mais dificieis e inusitadas. Lá fomos nós.

Quando cheguei lá, adivinhem, meu pai tinha ido atras de carro. Com aquele mesmo furor, e agressividade costumeira a ele nessas ocasiões, onde eu "desobedeço" as suas ordens.... Entrei no carro, e fomos até o posto de saúde. Minha avó estava sentadinha numa cadeira de rodas, não conseguia falar, provavelmente um ínício de derrame. O médico disse que ela deveria ir para o Hospital. Único hospital disponível, em Piraquara. E estávamos em pleno inverno, noite muito fria.

Chegamos lá, na enfermaria, haviam muitas mulheres, e no quarto, umas quatro camas. O cobertor, era aquele cobertorzinho barato, pobre. A enfermeira chegou para colocar o soro na minha avó, levou um tabefe na cara, que eu até ri.... hhahaha. E a enfermeira disse então que ela ficaria assim sem soro. E que alguém tinha que ficar com ela no quarto, cuidando, porque ela tinha mais de 80 anos.

Meu pai teria que ir no outro dia, pegar minha irmão no aeroporto, que vinha de São Paulo. Eu me dispus a ficar. E fiquei. Não tinha levado nenhum casaco para enfrentar aquele frio. Não tinha nada ali. Mas fiquei. O Hospital de Piraquara era tão frio, nossa. Ai eu fiquei deitada num banco e a enfermeira me trouxe uma coberta. Nesse dia, eu estava com dor no ombro, e isso me deixava com dor de cabeça. Olhem a situação. E, para não morrer de frio durante a noite, eu descia e ia dar uma volta na quadra, enquanto fumava um cigarro, nessa época eu ainda fumava. Depois voltava e ficava olhando minha avó.

Foram dois dias nos hospital de Piraquara, eu vi ali coisas horríveis. E, na manhã do dia seguinte, a enfermeira pegou minha avó, e colocou numa cadeira de banho e disse que ia dar banho nela. Mas, o banho era frio, porque não havia agua quente. Eu disse a enfermeira que minha avó era muito idosa, para tomar banho frio. Mesmo assim, deram o banho nela, porque era o procedimento normal...

A minha avó não podia mastigar, porque estava sem dentadura. E a mulher do leito ao lado, que tinha diabetes, disse para molhar o pão no leite, e tentar dar a ela. Foi o que fizemos, mas ela rejeitava e cuspia. Diante deste estado de coisas, eu liguei para o meu pai, puta da vida, e disse para ele vir até lá... E ele do mesmo jeito: com o mesmo furor e agressividade, colocando tudo como se fosse problema meu, como se eu estivesse fazendo coisas erradas.

No domingo, quando não aguentei mais de sono, porque não dormira, e por causa da dor no pescoço, peguei o ônibus, vim até a Praça Santos Andrade, e como não tinha mais dinheiro, vim andando até em casa. Quando cheguei aqui, me trataram como se eu estivesse fazendo escândalo por nada. Disse ao meu pai, para ir até lá ver ela, porque eu não aguentava mais ficar ali, sem dormir.

O fato é, que no domingo, tiraram minha avó de lá, e trouxeram ela para o pensionato. E, A VIDA COMO ELA É, MINHA AVÓ MORREU ALI NO PENSIONATO.

Pois bem, isso não é um desabafo. É A MINHA VIDA. Num outro dia, da mesma forma, quando respondi ao meu pai, ele disse isso: VOCÊ MALTRATOU MINHA MÃE NO HOSPITAL!!!   E eu olhei para ele e disse: " QUE DEUS PERDOE O SENHOR POR TUDO O QUE VEM FAZENDO....".

Hoje, eu disse a ele muitas coisas, mas disse a ele principalmente isso:  ESSA PESSOA QUE O SENHOR TEM NA CABEÇA NÃO SOU EU.  E não existe nenhuma possibilidade de diálogo entre nós. Porque consecutivamente e sistematicamente, são coisas desse tipo que eu ouço.

Meu pai tem 83 anos, e minha mãe, 78 anos de idade. Meu irmão é casado, e minha irmão, visita eles, apenas duas vezes por ano. Não passam fome, porque o meu irmão, ajuda, todos ajudam. Minha prima gosta muito deles, sempre está a disposição.

Eu, do meu lado, mesmo sabendo e sentindo tudo isso, continuo realizando os trabalhos desta casa, e faço tudo mesmo. Jardim, limpeza, cuido dos cachorros, toso, dou banho, tudo. Assim como estive à disposição para cuidar de outras pessoas, simplesmente por este fato: porque eu me coloco no lugar do outro.

Hoje, mais uma vez, percebi que meu pai, vai morrer sem ter noção do que eu sou, do que eu sinto, de tudo aquilo que faz com que eu me sacrifique para que a coisa funcione. E isto não é um pensamento narcisista de quem quer mostrar aos outros que é bom, mas É A MINHA VIDA EXATAMENTE ASSIM, CONTADA POR MIM, VIVIDA POR MIM, e não pelas palavras de tanta gente  que não me conhece, não sabe como é o meu coração.

Eu cheguei em casa, e chorei. Como já chorei tantas e tantas vezes... Porque é uma dor profunda, ver que essas pessoas não conseguem enxergar nada... Absolutamente não conseguem ver o esforço, a dedicação, o amor profundo...

EU CHORO, E QUANDO CHORO, CHORO MESMO, MAS NO OUTRO DIA, ESTOU DE PÉ NOVAMENTE.

Eu não sou masoquista, continuo cuidando da casa, e fazendo das tripas coração. E eu também sei, que existem muitas e muitas pessoas que passam essa mesma situação, vivem isso, fecham a boca, não falam, e a coisa as vezes se torna INSUPORTÁVEL, E INSUSTENTÁVEL...

PARECE QUE A VIDA NÃO TEM SENTIDO. Parece que a vida não tem sentido quando a gente houve de um pai, tantas coisas, que simplesmente não tem absolutamente nada a ver com a pessoa real que nós somos. Isso é horrível. Mas de alguma forma inexplicável, nos fortalece.

Eu resolvi contar estas histórias da minha vida, porque sei que outros tantos gostariam de fazer do mesmo modo, contar, desabafar, falar...

O sentimento em relação ao meu pai, não é ódio. Foi o que eu disse a ele: eu não sinto ódio do senhor, porque se sentisse, não estaria aqui em casa, fazendo tudo o que eu faço. O que eu sinto, quando tudo isso é dito, é uma sensação de vazio, de impossibilidade. Impossibilidade de abrir o coração desta pessoa, de fazer ele enxergar.

A VIDA COMO ELA É, em muitos momentos é dolorida, mas ainda assim, existem outros momentos, e outras pessoas, que nos fazem felizes.

E, a infecção do dente, nestas horas, não significa mais nada...


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