CONTOS ERÓTICOS - DENISE FRANÇA

CURITIBA, 28 DE AGOSTO DE 1998.


UMA COISA NOVA

Ela esperava por ele nua, sua face refletia a luz que os neons entregavam em púrpura, em laranja, em azul... Isso dava ao seu corpo linhas, matizes até então desconhecidos por Ela. Uma segunda, uma terceira, uma quarta expressão do desejo que aquele homem abrira nela.
E pela janela do quarto escutava as vozes daqueles canais das ruas, esbarrando nas paredes dos edifícios, das casas, nesses umbrais gravitando o concreto de uma cidade.
Helena não o via há muito tempo, e encontrara com ele por acaso. Ele estava só, havia chegado ali a convite de trabalho. Os dois não se reconheciam mais, já passado tantos anos. Ele estava bem mais velho, havia deixado a barba crescer e seus cabelos estavam grisalhos. Mas o sorriso, este não mudara. Luis Augusto era um homem forte, sempre fôra. E Helena não pôde deixar de sentir surpresa quando o encontrou novamente. algum brilho perdido foi reavivado em seus olhos quando o viu, eram amigos naquele tempo que passara, dividiram momentos juntos, mas nunca havia sentido por ele nada senão amizade.
Talvez por estar sozinha como ele, precisasse falar, contar esse tempo que havia ficado ali, contar as coisas que lhe haviam acontecido. E Luis tinha por Helena muito respeito e muito apreço pela forma como Helena se conduzira através da vida.
Neste dia, sentaram-se no Bar e foram relatando um ao outro os projetos, as incertezas, os anseios. E foram aos poucos sentindo alegria no que estavam podendo dizer nesse momento. De vez em quando ele lhe segurava as mãos, num ímpeto mais forte de aproximação e Helena sorria ainda com mais vivacidade. Como aquele homem podia ser tão amigo, tão sensato nas coisas que lhe dizia. As horas foram passando e eles nem perceberam, não perceberam muita coisa, senão o agradável prazer que os envolvia naquela conversa.
Então começaram a se encontrar todas as sextas-feiras naquele mesmo lugar, e foram aprofundando mais e mais o que falava e o que sentiam. Mas não sentiam ainda outra coisa. Não se insinuavam como um homem e uma mulher, mas estavam sózinhos e isso incutia uma falta e um desejo em cada um. Helena nunca fôra o tipo de mulher pela qual Luis Augusto se interessara. Ele gostava de mulheres mais delicadas, mais sensuais e Helena era um tipo rude, traços pesados, mas de uma conversa e de um diálogo aberto e franco. Luis Augusto, do seu lado, também não correspondia ao que Helena esperava de um homem, ele não era um homem propenso a relações regulares, e gostava de aventuras passageiras. Mas estavam ali, e foram ficando.
Um dia, resolveram dar extensão à conversa, na casa de Helena, próxima aquele lugar. Helena mostrou a ele seus trabalhos, suas esculturas e desenhos, e Luis Augusto, sentiu pela primeira vez algo mais forte por Helena,não sabia dizer o quê, mas ao tocar com as mãos aquelas formas, sentiu como se estivesse tocando no corpo de Helena. E um súbito frêmito de calor lhe subiu pela nunca e lhe deixou atordoado: aquela mulher lhe escondia uma outra natureza que ainda ele não havia percebido. E talvez, nem ela mesma percebia.
Nessa noite, Luis Augusto não conseguiu dormir e nos poucos momentos de sono, vieram-lhe sonhos onde Helena se descobria de suas vestes e lhe entregava uma rosa e ele, ao se aproximar de Helena para tocá-la, ela se transformava numa das esculturas e ele aos poucos ia sentindo em si uma rigidez e um profundo vazio. Ele não sabia o porquê daquilo e acordava suado, ardendo em desejo.
Passou a evitar Helena por alguns dias, pois não queria deixar transparecer suas emoções: já não eram mais as mesmas. Helena achou que ele havia encontrado uma outra mulher. E por isso, não se preocupou.
Luis Augusto no entanto, procurara realmente outra mulher na tentativa de aliviar o que estava sentindo, mas nada passou de uma transa e, depois, voltava à solidão e a seus pensamentos em Helena. E resolveu encontrá-la novamente. Foi até sua casa, e lá olhou mais uma vez Helena, olhou agora com mais interesse pra ver se não estava enganado quanto aquilo que sentia. Helena lhe servia um vinho enquanto percebia  que ele estava mais silencioso e expectante. E perguntou a ele se lhe acontecera alguma coisa, algum problema onde ela pudesse ajudá-lo.
Luis Augusto então lhe confessou que estava sentindo algo diferente por ela e contou-lhe os sonhos. Helena, no primeiro momento, ficou surpresa e disse a ele que estava enganado. Mas Helena no fundo, não queria admitir que ele pudesse sentir isso por ela. ela esperava dele, apenas amizade. Helena não admitia muitas coisas em sua vida, não acreditava em homens, acreditava só em amigos. Mas depois, ao pensar melhor, viu. Ela apenas não acreditava que ele sentisse isso. E passou a ficar com raiva dele, porque também não queria dar  o braço a torcer.
E eles apesar de não se separarem e continuarem amigos, começaram a brigar. E brigavam cada vez mais, pelas coisas mais bestas possíveis. Só para contrariar o que um dizia ao outro.
Helena passou um tempo sem produzir mais nada, porque quando produzia, parece que estava fazendo isso para Luis Augusto, em direção a ele. E Luis Augusto, do seu lado, saiu com todas as mulheres que podia, deitou e rolou. Mas eles continuaram amigos.
Aos poucos parecia que estavam esquecendo do que sentiam, embora não soubessem bem o que sentiam um pelo outro.
Até que um dia surgiu o Flávio e a Elvira na vida dos dois. E eles então começaram a se encontrar com mais calma e já não brigavam tanto. Helena falava de Flávio e Luis Augusto falava de Elvira, e um não escutava mais o que o outro dizia porque estavam apaixonados e só sabiam falar do amor que sentiam. Agora eles eram mais amigos do que nunca.
Helena então apresentou o Flávio ao Luis Augusto e esse lhe apresentou Elvira. Mas havia aí alguma discordância, porque quando sentavam à mesa para conversar, Elvira conversava com o Flávio e Luis Augusto ficava olhando Helena e não sabia o que dizer, senão que ela fizera uma boa escolha. E entre eles foi nascendo um profundo vazio e uma tristeza sem nome. Estavam tristes um com o outro. Mas já não conseguiam mais arranjar motivo para se falarem ou estarem juntos.
No último encontro, Luis Augusto disse que iria se casar e mudar de cidade. Helena ficou feliz por ele. Helena por sua vez, estava com Flávio que era um bom sujeito.
Mas nesse último encontro, havia muita chuva e Luis Augusto resolveu levar Helena em casa. Quando subiram as escadas do edifício, a luz apagou e Luis Augusto escutou o barulho de algo cair, quando abaixou para tentar pegar o que havia caído, chocou-se com Helena que fazia o mesmo movimento. Ele não a enxergava e nem ela a ele, mas ele sentia que havia tocado ali alguma coisa, e Helena do mesmo modo. Os dois ficaram procurando pelo chão o que havia caído. Em silêncio escutavam a respiração um do outro e essa respiração parecia que ia se juntar em algum lugar, num silêncio mais profundo. E a luz não vinha. E um dizia ao outro: "Não consigo achar." E aí, começaram a rir, porque na verdade o que estavam procurando estava mais perto. Sentaram na escada e seguraram a mão um do outro e agora já não riam mais. Então Luis Augusto pediu desculpas à Helena e Helena pediu desculpas a Luis Augusto.
A luz finalmente acendeu e os dois subiram a escada nos degraus que estavam faltando. Luis Augusto entrou, olhou Helena e viu que ela já era outra e Helea olhou Luis Augusto e viu que ele estava grato, estava agradecido por alguma coisa. Os dois então se beijaram e se abraçaram, e foram indo mais adentro no que procuravam. E já estavam se amando, ele já estava dentro dela e ela gozava de não ser mais a mesma, e ele beijava e procurava o corpo dessa mulher e ela lhe dava o que podia dar, dava-lhe prazer, e assim ficaram até o amanhecer, sem entender mais nada.
Ao acordar, se despediram. Luis Augusto foi embora e Helena produzia como nunca. E foram em frente, permanecendo apenas amigos.
Aquele mulher que estava no quarto e via o neon através da janela, essa mulher continuou assim, esperando por ele, mas ele não veio.




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