A COMPOSIÇÃO DO BEIJO (04) - DENISE FRANÇA

Curitiba, 15 de junho de 2012.

"ENSAIO DE LUZES" (FICÇÃO): TEXTO DEDICADO AO DOUTOR FLAVIO GIKOVATE

INSPIRAÇÃO QUARTA: AMARELO OURO

O outono usufruía as folhas de agora, aquelas que relia... O outono despe as árvores de tudo. Como se outrora fosse um engano, as folhas caem. Do mesmo jeito, esquecemos de nós, e nos entregamos a uma imagem alienada e impossível... As folhas antes de cair, de verdes passam a outra escansão surpreendente, e tornam-se avermelhadas, e posteriormente amarelas,depositadas no chão...
Olhei a manta que estava sobre o sofá, senti vontade de calor, deitei, com a cabeça recostada numa almofada com motivos orientais, descansei, fechei os olhos, e escutei o silêncio chegar... Adormeci, e a sala se tornou perdida...
GIKOVATE sabia que as horas foram muitas, talvez não estivesse mais ali. Isso era possível...mas não era provável, pois o tempo desta mulher era aquele exatamente igual ao dele.
Ele já estava na sala, as luzes apagadas, apenas as luzes de fora formavam um tênue movimento acerca deste lugar, se insinuavam, ora ele me via deitada, ora eu deixava de ser visível...
Como um pressentimento, Gikovate foi minorando seus passos, abaixou-se e ficou a examinar esta presença, minha respiração, meu descanso, meus sonhos. Acordei mansamente, com o gosto dos seus lábios, e sua mão que contornava minha cintura.
Porque colocam tanta resistência ao amor?! Eu convidei ele a se deitar ali, ao meu lado por alguns momentos. Ele descalçou o sapato, se estreitou comigo, me abraçou e ficou quieto. Nós dois estávamos, sem saber, cuidando de um bem maior, velando o sonho de nossas vidas, não a ilusão, mas a raridade de um encontro.
Segurava minhas mãos, entrelaçadas as suas, e eu sentia o calor do seu corpo, através da roupa, sentia o coração dele, e sempre nestas horas, não sei porquê, beijar suas pálpebras, seus olhos. Escutei as batidas do coração dele, e senti este mesmo impulso em mim, e senti vontade de me entregar a ele.
Ficamos os dois por muito tempo ainda abraçados um ao outro. Incrivelmente conectados, nenhuma pressa  era necessária, e nenhum artifício também... Outro espaço se abriu, os signos do corpo, os traços do prazer,    a fissura do desejo: eu te quero.
Havia nele outra coisa: a quietude. Administrava meu corpo, e sua quietude me conduzia a uma margem sem reparos, o conhecimento dele, as sensações dele, onde ele formava um outro corpo de palavras, o segredo e o afago de si mesmo dados a uma mulher, sem remediar o homem que ali transparecia, alegre, menino, feliz.



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