A COMPOSIÇÃO DO BEIJO (23) - DENISE FRANÇA

Curitiba, 05 de agosto de 2012.

"ENSAIO DE LUZES" (FICÇÃO): TEXTO DEDICADO AO DOUTOR FLÁVIO GIKOVATE.

INSPIRAÇÃO VIGÉSIMA TERCEIRA: GIZ

Depois de algum tempo eu o encontrei casualmente, na Biblioteca Municipal do Rio de Janeiro. Ele estava de pé ao lado de uma estante, com um livro aberto nas mãos. Fiquei emocionada em encontra-lo ali. No tempo em que estivemos distantes um do outro, me detive em vários afazeres e consegui assimilar a ausência dele em minha vida.
Gikovate fechou o livro, tirou os óculos, passou o braço ao redor de meus ombros e me convidou para sentarmos, e disse: QUERO E PRECISO FALAR COM VOCÊ.
Eu conversava com ele e olhava seus lábios, olhava os olhos, tentava perceber porquê e para quê ficamos esse tempo afastados...Não nos sentíamos distantes, mas havíamos descoberto juntos naquele instante, em frente ao mar, algo não suprimível em relação a nós dois, ao nosso envolvimento.  Apesar do nosso amor, ou simplesmente porque havíamos calcado outro rumo, imprevisível em relação ao perfeitamente previsível e aceitável. E por isso, também não nos sentimos constrangidos naquele novo impulso e movimento do encontro casual.
Embora ele não gostasse de se sentar ao chão, como não gostava da areia do mar, e fosse de melhor conveniência a cobertura de um edifício, e as luzes da noite paulistana, eu o descobri de sua camisa branca, de seu colarinho inequívoco, sua irritação foi o súbito impulso para querer me beijar.
Este beijo depois de tudo, foi dado, foi transformado, foi supurado, foi colocado, foi abastecido, ultrapassou  esse primeiro limite erguido e construído por nossa razão e desconsolo inicial. Foi um tapa na vaidade, no orgulho, na ideia de que tínhamos ainda propriedade sobre aquilo que sentíamos.
Ele me amava, e estava declarando isso naquele intervalo, por isso mesmo, resolveu partir.
E eu senti profundamente a sua partida, mas não morri de amor. Senti a presença dele, ao meu redor inequivocamente.
Porém, havia ali uma outra etapa, e a sensação de que estávamos ambos tateando um novo chão. Sentimos isso neste primeiro encontro, e sentimos isso ao longo do descobrimento de nossas vestes, olhando o mais verdadeiro em nós mesmos. Nos sentamos na cama, e olhando-o, vi quanta coisa guardada e ao mesmo tempo revelada ali. E por isso, mais eu o respeitava, porque ele também procurava a aproximação disso em nós mesmos.
Dois corpos  nus, vestiam a permissão de outra vez, alocados no sentimento chamado amor. Ele disse com ternura: você está em mim...
E eu percebi que em Gikovate só existia uma forma de irritação, a de deixar e largar de uma forma para se conduzir a outra, ainda bruta e tenaz. Depois, a irritação passava e sua calma retornava e dava lugar ao aconchego...



Comentários

Postagens mais visitadas