A COMPOSIÇÃO DO BEIJO (27) - DENISE FRANÇA

Curitiba, 17 de agosto de 2012.

"ENSAIO DE LUZES" (FICÇÃO): TEXTO DEDICADO AO DOUTOR FLÁVIO GIKOVATE.

INSPIRAÇÃO VIGÉSIMA SÉTIMA: BORDÔ


Se o amor é fácil?! Se esperamos nos salvar através do outro, não conheceremos o amor. Navegar nesta nau, sim, coragem, testemunhar os flagelos, as misérias, e levar a embarcação mais adiante, em terra segura. Chegar ao fim da viagem...
Para amar, descobrir, colocar nosso ser como amostra, está aqui, a minha existência ganha significado através da presença de outrem e vice-versa. O outro é único, significante, prenhe, fecundo, criador, transformador.
E suportar, suportar a angústia da solidão do outro em sua existência, seus desvãos, sua transitoriedade, seu desconforto, sua inapetência, o escândalo que o faz amanhecer outra vez ao nosso lado, mais uma vez, mais uma vez deitado ao nosso lado, num sonho desconhecido, numa fortuna insondável, ao nosso lado....

Como era tocar em GIKOVATE?!  Quando sentimos que tocamos o outro, a sensibilidade do outro, provocando este encanto, esta sensação de bem-estar,  a permissão do corpo alheio que se abre para o nosso toque??
O amor é uma permissão, um consentimento, uma dádiva, um dom.
Não existe amor pela força, pela opressão, pela submissão do outro como objeto.

Entre duas pessoas o amor se instala assim, no toque desta permissão.... A testemunha que somos, e o segredo que abrimos, a concessão para a verdade entre duas pessoas.
Como era tocar em GIKOVATE?!

Sentia que ele sorvia o meu toque. Reconhecia o meu corpo, a sua pele assimilava a sensibilidade da minha, nós dois nos olhávamos e tornávamos a olhar um nos olhos do outro, sem palavras, a nossa respiração se cercava da respiração do outro, voltávamos nosso olhar para as fronteiras e os limites do nosso espaço físico e abríamos essa concessão, de nos pertencer ali, naquele momento... Assim é o amor.

Meus olhos fechados, a lembrança dele, o beijo molhado, longo, apaixonado, entrega. Imediatamente era isso: abraçados, a música ao fundo, ele me conduzia, dançando, sentindo abraçados que chegávamos a ocupar o mesmo espaço, no aconchego ele tocava a superfície do meu espírito.
Olhava pra mim mesma, e através do prazer que ele me dava sentia aos poucos chegar nesta linha proximal do meu corpo, na divisa do espírito e exatamente neste momento ele e eu nos tornávamos uma só pessoa.  Ao mesmo tempo que nos desfazíamos de nossa materialidade individual, e nos entregávamos a esta outra coisa, substancial e única entre nós dois.

PRESENÇA.







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