UM HOMEM PROIBIDO - DENISE FRANÇA

Curitiba, 05 de outubro de 2012.

De um lado a outro, quase como se estivesse encurralado em uma jaula, sua aflição tomava o lugar de um manto que cobria todo o seu corpo. Para mim, embora se tratasse de uma situação fora do comum, não havia nada ali de extraordinário. Para ele no entanto, estava à beira do abismo, seus nervos a flor da pele, não lhe serviam mais os mesmos critérios de valor, ou de juízo, tudo ali era inusitado.
A aflição dele encontrava minha tranquilidade, eu tentava apaziguá-lo. Disse a ele que o amor não se aprende assim, mas aos poucos, em outro lugar..., DE OUTRA MANEIRA.
Os riscos que cercavam sua pessoa diante de tal acontecimento, tudo demandava calma e tempo. Muito tempo para assimilar esse fato.
A coragem dele me surpreendera. A outros olhos poderia parecer louco e insensato. Esse homem angustiado, perdido naquele momento, me trouxera outra luz: a aceitação do novo. Transfigurado pela emoção do novo, pelo surgimento de uma outra realidade, ele se despojava diante de mim, e me entregava sua nova essência.

Ele abriu a porta, e eu entrei. Sentei a sua frente, e olhei para ele e disse: "O senhor está angustiado?!". Havia percebido isso há algum tempo... Pode me contar porquê.  Ele disse sorrindo, ainda de pé: "Você acha que eu estou angustiado?!"  Depois sentou-se também em outra cadeira, a minha frente. Olhava-me. Eu segurei a mão dele e disse: "Confie em mim, pode me contar tudo."  O coração dele estava aflito. Emergente. Cuidava de escutar o que ele precisasse falar. FALAR.

Ele então, me deu um beijo no rosto, se aproximou ainda mais, e me beijou a boca. E aí eu entendi de onde vinha a sua aflição. E ele começou a falar o que se passava em seu íntimo. Eu escutei.

Eu escutei tudo o que ele dizia, e guardei em meu coração, cuidei de suas palavras, cuidei do carinho que compartilhara, cuidei desse encontro entre nós dois.

Já fazia muitos anos que ele me conhecia de vista, e sempre a minha pessoa chamou a atenção dele, por se tratar de uma "pessoa diferente das outras"...

Eu escutei.

Fiquei me perguntando porquê o sentimento mais modal e humano como o amor, e a atração sexual entre um homem e uma mulher tornara-se de repente, naquela situação, uma faca de dois gumes?!  Eu olhava para ele, ali, e via um homem, um homem como outro qualquer. Em nenhum momento vi neste homem uma marca  de proibição, de impossibilidade.

Mas digo com certeza, ele era diferente de todos os outros homens. Pela coragem, pela decência, HONRADEZ e  honestidade, e pela profunda ingenuidade e desmantê-lo que abalara repentinamente sua condição, sua alma. Com mais de 55 anos de idade, ele se tornara um menino. E assim eu via em seus olhos, um menino surpreendido com emoções inesperadas.

ELE ERA E É UM HOMEM DIFERENTE DE TODOS OS DEMAIS.

Esta lâmina do desejo que já ocupava seus olhos, e transfigurava suas emoções, eu a recebi e sabia que podia dar conta disto. Para mim recebi isto com orgulho, generosidade, e humildade, vindo de quem vinha. E sabia também que não havia ali nenhuma outra pessoa que pudesse receber essa escuta e este suplício humano, sem  fazer disso uma retaliação imprópria e absurda.

Suplício humano, proibição, pecado, castigo. Assim ele estava sofrendo com o que sentia. Outra vez, eu apaziguei o seu espírito, e disse que isso tudo era HUMANO, demasiadamente HUMANO. Não se tratava de um vale de lodo e trevas, chamado INFERNO, mas simplesmente o encontro dele com uma emoção diferente em sua vivência.

Felizmente, eu consigo retirar a CULPA de um ser... Escutar alguém na propriedade de sua vida, a particularidade de seus sentimentos e pensamentos, a extensão de toda sua VIDA, PRECISA E NECESSITA DE SUPORTE. E este homem inusitado, hóspede de uma EMOÇÃO VERDADEIRA e nova, entregava em minhas mãos sua vida. CUIDEI DE ESCUTÁ-LO  e assimilei tudo isso, e a particularidade de sua condição e lugar, me fez reconhecer a razão também da AMIZADE: A NOSSA AMIZADE.

Depurei todos esses sentimentos, e acontecimentos, até que essa ALQUIMIA pudesse se produzir nele, com ele, apesar dele... Minha função única em sua vida, nesta passagem, foi essa: A AMIZADE.

O DESTINO AS VEZES É PROMOTOR, julga e condena.  Mais além da LEI, esse homem cumpria anonimamente o exercício de seu direito fundamental como pessoa humana, sentir, amar, o seu direito inclusive, de desconhecimento do pecado. E era exatamente isso que eu mostrava a ele, através da minha ESCUTA, O SEU DESCONHECIMENTO DO PECADO, o condenava.

Anonimamente, e na marginalidade de sua emoção primeira, se castigava e condenava-se pela paixão do seu corpo, da mesma forma como os homens fizeram e afligiram o CORPO DE CRISTO, sem pecado, sem culpa.

Meu querido e muito amado amigo: PADRE.     MEU MUITO OBRIGADA.





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