A CRUELDADE HUMANA (01) - DENISE FRANÇA

Curitiba, 19 de outubro de 2012.


Nossa civilidade em verdade se manifesta através de seu mal-estar.  Um belo texto sobre isso: "MAL-ESTAR NA CIVILIZAÇÃO".  Texto do Doutor FREUD, mas é atualíssimo....

Já há algum tempo me debato com algumas questões, a crueldade humana é uma delas...

Mais informatizados, mais tecnologicamente providos, a crueldade se tornou mais expressiva, mais manifesta, e em crianças bem pequenas....

Meninos ainda, que não entraram na adolescência descrevem comportamentos cruéis, em relação a outros meninos, ou então em relação a bichos.... comportamentos especificamente cruéis.... que se estendem pela vida afora.

Existem muitos elementos na obra de Lévi-Strauss, antropologia, que falam sobre os povos selvagens... Descrevem a cultura, as formações de determinada sociedade, mas em nada se aproximam da "selvageria" desta sociedade. "Tristes trópicos", uma de suas obras que se refere ao Brasil.


"[...] Ninguna sociedad es perfecta. Todas implican por naturaleza una impureza incompatible con las normas que proclaman y que se traduce concretamente por cierta dosis de injusticia, de insensibilidad, de crueldad. ¿Cómo evaluar esta dosis?"

"Tomemos el caso de la antropofagia, que de todas las prácticas salvajes es la que nos inspira más horror y desagrado. Se deberá, en primer lugar, disociar las formas propiamente alimentarias, es decir, aquellas donde el apetito de carne humana se explica por la carencia de otro alimento animal como ocurría en ciertas islas polinesias."

". Pienso en nuestras costumbres judiciales y penitenciarias. Estudiándolas desde afuera, uno se siente tentado a oponer dos tipos de sociedades: las que practican la antropofagia, es decir, que ven en la absorción de ciertos individuos poseedores de fuerzas temibles el único medio de neutralizarlas y aún de aprovecharlas, y las que, como la nuestra, adoptan lo que se podría llamar antropoemía (del griego emein, “vomitar”). Ubicadas ante el mismo problema ha elegido la solución inversa que consiste en expulsar a esos seres temibles fuera del cuerpo social manteniéndolos temporaria o definitivamente aislados, sin contacto con la humanidad, en establecimientos destinados a ese uso. Esta costumbre inspiraría profundo horror a la mayor parte de las sociedades que llamamos primitivas; nos verían con la misma barbarie que nosotros estaríamos tentados de imputarles en razón de sus costumbres  simétricas."


"Em  Introdução Teórica às  Funções da Psicanálise em Criminologia, de 1950, o psicanalista Jacques Lacan traçou um itinerário que pudesse nortear o diálogo e o estudo “da realidade sociológica do crime e da lei” à luz do supereu e da psicopatologia penal. Os crimes provenientes do supereu, dos quais todos reconhecem a lei e a incidência do castigo, podem ser elucidados pela escuta analítica, de sorte que a psicanálise, pelas instâncias que distingue no indivíduo moderno, pode esclarecer as vacilações da noção de responsabilidade em nossa época e o advento correlato de uma objetivação do crime para  a qual ela pode 
colaborar (1998, p. 129). O sentimento correspondente à vivência do crime é a culpa. Basta lermos nos fatos humanos as significações especificadas como tais. O declínio do pacto social permite que novas formas psicopatológicas enunciem o mal-estar na cultura. O confronto de ideologias carregadas de paixão e as guerras e as mortes de civis exprimem a que ponto o homem é destrutivo para com o seu semelhante. Numerosos sujeitos cometem transgressões e delitos, para isso, procuram no estímulo sexual a fonte da satisfação, mas os mecanismos que os causam podem consistir no transbordamento de uma angústia insuportável. A angústia que espia, saída das trevas do inconsciente, provoca uma sensação de perturbação, conclamando a desordem psíquica e a passagem ao ato."


"Para Lévi-Strauss “o indivíduo mantém uma constante tensão em sua inserção social, cuja cultura produz o ‘mal-estar na  civilização’”. Lévi-Strauss ressalta que “as três fontes da resistência ao desenvolvimento” (uniformidade, temor e repugnância) manifestas na história concreta do desenvolvimento criam as descontinuidades culturais, cujas diferenças profundas se apresentam como causas das resistências ao desenvolvimento globalizado. De modo  geral, pode-se considera-las como: a forte tendência da maioria das sociedades em preferir a uniformidade às mudanças. Há um profundo temor (quase um tabu) pelas forças naturais. E uma repugnância pelo engajamento no devir histórico."



Qualquer leitura do comportamento humano deve ser realizada numa observação atenta, realizada ao longo do tempo. Só assim podemos ter uma noção mais clara das várias direções, vetores que cercam aquela estrutura específica, aquele grupo, aquela realidade. Uma noção do conjunto, e uma noção das partes em separado...

O ser-humano pode reagir de várias formas. Nada nos assegura que um sujeito vá descrever tal comportamento mediante este ou aquele fator. Mesmo quando imaginamos que aquela pessoa nos é grata, as vezes somos surpreendidos por uma conduta agressiva.

Em que condições seria "normal" esperarmos uma conduta "agressiva" de um sujeito?! Imaginamos o básico: uma situação de stress derivada de um ambiente hostil. Uma situação de stress que já se estende por longo tempo e, espera encontrar um estímulo externo para se manifestar.

Uma reação de defesa mediante um ataque inesperado que ocasiona risco de morte. E assim por diante. "Normalmente", a reação agressiva não vai além disso, proteção do espaço físico, proteção da prole, família, pessoas indefesas, bens materiais, por aí...

Não imaginamos que alguém que reage agressivamente para sua própria defesa vá "arrancar o olho de seu adversário", ou vá cortar o pescoço e arrancar sua cabeça, fazer picadinhos do outro, atear fogo, cortar partes do corpo, e tudo aquilo que já conhecemos através das informações que vêm dos telejornais, rádios, internet, relativas a crimes, assassinatos, etc.

Ou mesmo o que já vimos acontecer nos USA com jovens em escolas... Inesperadamente surgem do nada, munidos de armas e executam aqueles que anteriormente faziam parte do seu vínculo social, em determinada instituição, alunos, professores, colegas...

Esses diversos fatores e acontecimentos nos fazem observar  a "crueldade" presente na conduta humana. Com o aparecimento das drogas, o tráfico que tomou conta das grandes cidades, metrópoles, deixa à mercê  todo e qualquer indivíduo. De qualquer classe social, atingindo em maior número adolescentes, e mesmo crianças.

Com o passar dos anos, a indústria do crime se estabeleceu em todos os lugares. Não observamos mais esse acontecimento ser justificado apenas e unicamente pela "injustiça social", mas se dá à deriva deste aspecto e se estende em várias direções.

Existem lutas internas entre as organizações criminosas, o que torna mais grave essa situação. O combate a esses problemas todos, pela segurança, secretarias e órgãos que tratam deste assunto, não conseguem atingir o cerne desse problema. A segurança de um Estado também fica à mercê do Governo, de legislações criadas sem conhecimento profundo de todos esses problemas. E criadas por pessoas às vezes desprovidas e sem a menor noção da realidade que norteia o crime.

O sistema "prisional" da mesma feita, encarregado para educar o criminoso, infrator, sofre de uma falta de estrutura capaz de "realmente" fornecer elementos que atendam a essa necessidade de re-socialização do detento, e infrator.

Muito pelo contrário, observamos que a reincidência no crime se dá logo após a soltura do sujeito, sua saída vai de encontro a realidade que determina que esse sujeito continue tendo a mesma conduta...

Objetivamos: a "crueldade" é um elemento que faz parte do ser-humano, e que o distingue dos outros seres, os animais. Os animais não são "cruéis", não causam dor a  seu opositor pelo simples prazer. Agem de acordo com a sobrevivência de sua espécie.

Assim como observo que a crueldade é uma característica humana, observo também que as crianças pequeninas, desde o seu nascimento, não são cruéis. Que esta "tendência" se desenvolve posteriormente, em razão de tudo o que já foi dito aqui.

Existem ainda outros fatores que me impressionam. A sutileza em formas específicas de comportamentos cruéis. O pensamento, e essa é a DIFERENÇA, o pensamento está presente na conduta CRUEL. A inteligência à serviço desses modos do crime, a ausência de culpabilidade, a crueldade no seio familiar como autoridade.... e aceita moralmente.


OBS.: Esse texto foi escrito enquanto esperava a Apresentação de Dança-do-Ventre, no Teatro Fernanda Montenegro....

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