A CRUELDADE HUMANA (03) - DENISE FRANÇA

Curitiba, 26 de outubro de 2012.

É desagradável falar sobre o mal. O MAL. O MAL-ESTAR-NA-CIVILIZAÇÃO. Não é apenas uma indisposição, está aí manifesto.

Desde pequenina, eu me lembro que pensava e me entristecia muito. Eu não sabia porquê apanhava de minha mãe, era dolorido. Não sabia porquê no colégio de freiras riam de mim, que usava calça de menino e cabelos curtos... Era assim que me mandavam pro colégio... Eu pensava desde pequenina sobre a injustiça, minha e de outras pessoas....
A minha amizade sempre foi verdadeira... A outra pessoa me preocupava e eu a respeitava...

Uma cena muito cruel me marcou a lembrança:  minha mãe pegou os filhotinhos da cachorra e matou todos eles, na minha frente, batendo-os contra a parede. Acho que ela hoje não se lembra disso, mas eu me lembro desta cena....

Outra cena que ficou em minha lembrança, um cabrito. Um filhote de cabrito foi criado no quintal de casa, como um cachorro, e cresceu... Eu peguei amor no animalzinho... Mas, ele fôra preparado para a ceia de Natal. Meu avô pegou o cabrito, e o conduziu até o porão de casa, amarrou-o de cabeça para baixo, e pegou o machado... E deu um talho no pescoço do cabrito. Eu vi o cabrito se debatendo antes de morrer, os berros, e todo aquele sangue... E depois a satisfação das pessoas comendo o cabrito no Natal.

Chorei desesperadamente, com essa forma de trucidar o animal...

Possivelmente fariam a mesma coisa comigo...

Toda vez que me machucava procurava esconder o ferimento, ou me esconder... Porque era pior mostra-lo, levava uma bronca ou até apanhava...  Lembro de uma febre esquisita que tinha, de vez em quando... parece que era a garganta....  Ficava meio tonta, amortecida...

Ficar doente era um problema porque nossa família era pobre.... Então eu suportava até onde podia, a dor que sentia... ou me curava sozinha...

Como era muito magrinha, quando criança, tinha problema nos joelhos, torcia... E minha mãe fazia um emplasto de mentruz com álcool.  Eu me sentia heroína correndo com aquelas faixas amarradas no joelho...

A crueldade humana me vinha assim quando pequena: eu não conseguia entender.... Me dava um bolo na cabeça, queria compreender porque alguém me machucava sem eu ter feito nada para isso....

Não me lembro de ter feito algum tipo de mal a alguém... Lembro-me que eu e meu irmão brigávamos, de rolar na grama, mas depois estávamos brincando novamente... Brincava mais com os meninos do que com meninas. Só fui brincar com meninas mais tarde... Não gostava de bonecas, gostava de carrinhos, era louca por carrinhos em miniatura, de metal...

Desde pequenina as minhas atitudes em direção ao outro eram de ajudar, entender, cuidar...

Para mim, mesmo com tudo aquilo que já li, com tudo o que vivi, fica ainda assim difícil compreender porquê uma pessoa é cruel, e cruel injustamente... Eu fico pensando: sou uma pessoa legal, boa, e passo a maior parte de minha vida, sozinha... Isso é uma constatação: a solidão e o fato de ser uma pessoa boa.

Não uso de falsidade com as demais pessoas, não consigo ter interesse material no que o outro tem e possa me ofertar..., não é isso que me conduz em direção as outras pessoas. O que me conduz em direção aos outros é o amor, o sentimento, a amizade, o carinho, a simpatia,  o prazer da convivência...

Eu creio que existem determinados atributos a pessoa ruim... Não é de toda ruim, nunca espero por isso. Sempre espero que exista algo ali que seja reversível... E as vezes não é...  Ou pelo menos, espero compreender  porque a atitude dessa pessoa é ruim... E nem sempre isso é possível...

Estou falando sobre a crueldade humana, de forma bem singela, até fugaz, mas é a minha natureza falar dessa forma, porque eu gosto mais das histórias de amor, de reinventar um novo amor, isso me agrada por demais... Agrada a minha alma, a alegria, a inspiração, a criatividade, o bom-humor...

O amor é mais forte em mim do que qualquer outra coisa. A maldade não faz parte da minha alma...

Penso que os sentimentos que inspiram a maldade, são sentimentos de avareza, egoísmo, prepotência, prazer em subjugar o outro, prazer em dominar, causar temor...

E isso me faz lembrar de outra coisa muito importante: nenhum medo existe sem fundamento real. Por trás de todo medo, existe uma ocorrência real, um fato sombrio... A síndrome do pânico, por exemplo, por mais que pareça insólita a algumas pessoas, o sujeito chegar ao ponto de não conseguir fazer o que todo mundo faz, tem uma razão de ser. O medo é real... Não é inventado.

Mas, o que mais caracteriza aquelas pessoas que se veem em tal situação, de colapso nervoso, de medo extremo, sem conseguir explicar o porquê desse sentimento, ao longo de uma investigação, percebemos que a pessoa  filtrou, captou signos de seu ambiente, que revelam essa causa real, no final das contas...

Esses signos muitas vezes se manifestam muito sutilmente, um meio olhar, uma série de condutas percebidas,  que tem um processo ou direção.... Quando perguntamos, o outro pode negar ou desabilitar essa razão, mas ela subjaz intacta ali, presente, e fortalecida em todos os sinais e indicações, que a nossa mente consegue perceber... A nossa consciência talvez não aceite, não consiga assimilar. Porém, no fluir dos acontecimentos, observamos que aquele medo que parecia irreal, na verdade tinha o seu fundamento...


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