O MEU NASCIMENTO - DENISE FRANÇA

Curitiba, 20 de dezembro de 2012.





SOBRE O MEU NASCIMENTO:

Eu nasci antes da época aguardada...  

No alto havia um ponto iluminado, maior do que todos os outros.  Luz brilhante que aparecia logo cedo enquanto minha mãe caminhava descalça...  Minha mãe andava muito, com seus pés sobre a areia, sobre a relva, trabalhava exausta por qualquer tipo de oferta, um bocado, óleo, farinha, sementes, folhas de alguma coisa.
Minha mãe era lindíssima, serena, tranquila, humilde e sem saber dos homens, olhos negros, sua ingenuidade não admitia nenhum tipo de infelicidade, mas alegria ainda menina, correndo atrás das cabras, brincando com a água, o barro, como pérola, como joia....
Carregava-me no ventre, depois nas costas, carregava-me sozinha, flor do deserto, encanto, mistério, maravilha sem nome.  Menina ainda, olhava-me nos olhos, sorria, queria que eu brincasse, escondia de mim suas lágrimas, mandava-me embora algumas vezes por medo do inesperado, logo me abraçava e calçava meus pés com a sandália do destino e do caminho.
O canto onde era nossa moradia, chão de barro,  cascalhos,  os bichos se acomodavam junto a nossa hospitalidade, apoiávamos os ombros na amizade e nas notícias de quem passava.
Firme a infância transcorria, pelas minhas mãos passavam o traço de pequenos artefatos,  e eu a via ganhar em idade e se tornar mulher... Decidia sempre entre ficar e ir, não tinha interesse algum em se colocar entre outras mulheres,  não era dona como as demais, nem senhora, apenas uma mulher firme, sem ser austera, doce sem ser frágil, amável e sensata, pronta para carregar o fim.
Eu brincava e parava, olhava por um instante minha mãe, olhava meu pai, sabia que não pertencia a eles, mas pertencia ao mundo. E carregava comigo algo que eu não sabia mas andava comigo a discernir tudo o que via acerca do mundo e das pessoas. 
Sabia mais sobre as pessoas do que elas próprias contavam, por isso eu sorria e me perguntavam porque eu ria... Acudia em mim pequenas injustiças, logo cedo.  Andava no meio dos homens, junto ao meu pai, e escutava o que eles falavam entre si. Olhava os olhos deles, desses homens, e via ali muitas coisas,  muitas coisas impróprias, por isso eu sofria.... Em meu desconsolo, subia lugares altos, e ficava olhando o céu, porque de lá vinham notícias que me confortavam.  Depois de passada a tormenta em minha alma, eu voltava a descer, e continuava a viver e brincar....
Os bichos sabiam mais sobre mim do que os homens, por isso também essas criaturas se acercavam de mim  desde cedo, e caminhavam ao meu redor... Eu conversava com estes seres e eles entendiam.... Segurava pequenas criaturas nas minhas mãos, e outras chegavam a mim em seus últimos suspiros, e eu as via entregarem a mim sua vida.... Eu chorava muito.... mas entendia o propósito...
Gostava do calor, aprendia a ser forte, construía muitos sonhos sem ninguém saber.... Construía castelos, construía estradas, construía meus brinquedos, construía tudo que estava em meu coração, e aos poucos via que era possível construir coisas e mais coisas a partir de um pensamento bom...
Meus joelhos as vezes cansavam de tanto andar e meus olhos ficavam com as pálpebras pesadas, e minha garganta doía um pouco, e minha mãe então amaçava um bocado de ervas e colocava em meus joelhos para que parassem de doer... e um bocado de chá para a garganta.... No outro dia eu continuava a ser criança e ser o que estava para ser...
Sabia de meu futuro assim, em tudo, e em todos os olhares... Os sinais eu encontrava ao acaso, os sinais eu os sabia ler, eles autentificavam a minha presença e eu discernia a razão disso e aquilo....
O tempo passava através de mim, assim como as pessoas, e a morte nunca me amedrontou... Não sabia o que era a morte. O fim das coisas era começo de outras.... A morte não me entristecia....
Eu sentia a dor dos outros, mas essa dor me chegava como medo de viver, e falta de presença, porque tudo estava dado, não sabiam o que fazer com tudo o que era dado.
Eu transformava sentimentos e emoções dentro de mim. da mesma forma como minha mãe preparava um lenitivo, ou remédio.... Não usava coisas para isso, só a minha vontade de transforma-los.... Não era difícil, era possível, e eu fazia isso sempre, com a angústia, ou com a dor, ou com as trevas.....
Não entendia porque outras pessoas não conseguiam transformar seus sentimentos, e esses sentimentos ao longo do tempo se tornavam pedras poderosas que impediam o caminhar destas pessoas....
Eu conhecia o Amor desde Sempre.... Vindo desta presença ao longo da minha VIDA.  Nunca estive só. E sabia que o meu lugar era outro, além do lugar onde estava, muito além deste lugar.... 
O AMOR me vinha com suavidade, alegria, amizade, estava em minhas mãos, que tocava outras mãos, e na alegria com que eu olhava a dificuldade de alguém, e podia indicar um jeito. E o contentamento ia passando de mim ao outro, e do outro a mim, e assim sucessivamente.... Meus amigos acabavam me reconhecendo.... Me reconheciam através deste jeito de ser, e me chamavam nas ruas enquanto eu passava... eles eram iguais a mim e eu iguais a ele....
Jogávamos bola, e muito era dito a respeito da vida de cada um de nós, dividíamos nossas dificuldades, e nossa alegria, e cada um trazia um bocado de alguma coisa, e isso era partilhado.... 
Existiam segredos, segredos de amizade, segredos de amor, segredos de pequenas descobertas e novidades, e esses segredos guardava em meu coração...
Meus amigos, de meninos tornaram-se homens, e continuavam sorrindo ao me ver passar com a bola, ao lado de bichos, cantando,  sorrindo, e sabiam sempre que eu estava indo de encontro ao meu destino, por isso me RECONHECIAM POR MEU NOME,  nas COISAS QUE FAZIA....

E ASSIM FOI, E ASSIM ESTÁ SENDO, E ASSIM SERÁ..... 



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