O RISCO DOS TEUS OLHOS - DENISE FRANÇA

Curitiba, 14 de março de 2013.

Sou tentada a olhar para você mais de uma vez, e com outros olhos...

Essa tentação me leva a reconhecer no risco dos teus olhos, um pouco melhor a distância minha em relação a você, e uma aproximação sem dúvida, achada.

Não se trata da sua aparência, mas dos seus traços inconfundíveis... Eu encontro esses traços ao longo de mim, há séculos. Inegavelmente, falamos a mesma língua.

Abro esse segredo sem dizer o que digo, mas faço a interpretação desta língua que falamos, numa comunicação única que preserva nossa consciência de entender e compreender. Simplesmente, há comunicação, observo-me no silêncio, e repentinamente percebo a sua presença.

A sua presença persevera nos limites do meu corpo, uma extremidade sua toca em mim, sensivelmente ocupamos um espaço ao acaso,  esperamos algo, vivemos quase de uma mesma contrariedade.

As horas já foram... penso nas ruas, procuro, vislumbro o olhar das pessoas congestionadas junto ao tráfego da rotina, mas me desencanta essa mesma memória de tudo. E, buscando uma outra coisa, meus olhos vem dar nos teus olhos, rapidamente...

O infinito sim, repercute ali, no instante. Um sopro, um toque ao vento, aparto-me do dia, e vivo o que está sendo, essencialmente, apresento-me em sua presença.

Não questiono, e nem o meu movimento tem explicações, simplesmente sinto, e deixo esta sensação da tua presença viver em mim, neste momento. Porque assim é, e assim precisa ser...

Imagino que tudo é um trabalho árduo do tempo. Colocada está ali a rocha, e organizada de tal forma que apresenta o meu ser a minha pessoa, no momento do olhar, e no momento de ver. O destino se escreve desta forma, marca o tempo, provoca os sulcos, estabelece a  hora. E nós nos apresentamos a ele, e em razão desta presença produzimos e criamos uma história.

Não modificamos as coisas que foram, as coisas que são. E novamente nos encontramos.

Nada sei do que sabe, mas perpetuo a vez, a voz, a palavra, o direito. Mesmo o avesso, nas adversidades vividas, que prorrogam as horas em defesa da impossibilidade de amar, ou acusando o meu princípio de estar ao lado de muitos, e viver a solidão de todos, mesmo assim, os teus olhos passaram inexplicavelmente diante dos meus, e eu diria até, irremediavelmente ao longo dos meus... eu te vi.


Agora, tenho acalentado este poema, como tantos outros que fiz durante a minha vida, para vivê-lo em meu inverno que aos poucos chega, para viver em minha demora, na garoa úmida e perseverante sobre meu rosto. O risco dos teus olhos, teus olhos muitas vezes escuro, outras vezes claro e rápido coberto pela túnica da decisão, daquilo que já é acabado, que se apresenta aos fatos, à materialidade real  desta passagem.





Deixo que o risco em teus olhos me atravesse quantas vezes forem preciso. Semelhante e fugaz, compareço como testemunha, e provo dos teus lábios, o silêncio, e a tua última palavra.




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