FAMÍLIA (ESTRUTURA): MANDOS E DESMANDOS (02) - DENISE FRANÇA

CURITIBA, 28 DE MAIO DE 2013.

TEXTO EM OBSERVAÇÃO AOS COMENTÁRIOS DO DOUTOR FLÁVIO GIKOVATE.

Gosto de fazer comentários a partir da realidade daquilo que vivo, enquanto mulher, e daquilo que percebo ao meu redor. Não poderia ser diferente.


Uma vez, estava varrendo as folhas na frente de casa, logo ao amanhecer, prática essa habitual... Vi então uma senhora me observando, ao lado da minha casa. Isso acontece porque minha casa fica ao lado do Hospital Nossa Senhora das Graças, e geralmente muitas pessoas passam por aqui, chegam cedo, e ficam esperando... Esta senhora se aproximou e começou a conversar, dizendo que o jardim desta casa era muito bonito, e começou a fazer perguntas: “Você é casada?”. Respondi. “Você tem filhos?” Respondi: Não tive filhos, mas criei os do meu irmão... Resposta simples, fatos da minha vida....

Aquela senhora então olhou pra mim e disse: “Ah, você é seca!” Em razão dessa resposta, vi que a minha primeira impressão desta senhora não estava enganada: ela era mesmo uma “crente”... Continuei conversando com ela, apesar deste comentário...

“VOCÊ É SECA!”

A Igreja dos Capuchinhos também fica ao lado de minha casa. Gosto muito dos freis capuchinhos, e gosto de cantar.... Frequentemente vou até a igreja. No dia das mães, na missa oferecida em homenagem as mães, também é possível perceber uma série de coisas; a exclusão, a falta de habilidade para aceitar outras possibilidades, e diferenças...

Esses pequenos exemplos cotidianos, a frequência com que acontecem, o modo banal com que são tratados, e a maneira sistemática deste funcionamento, nos mostram também uma série de vetores, a disposição destes vetores, a estrutura, porquê e para quê uma mulher faz uso do fato de ser mãe....

Não é um julgamento destes critérios, mas a realidade tal qual se manifesta: instrumentalização.

Eu não me sinto infeliz por não ter filhos. Enquanto mulher, estou satisfeita do jeito que sou. Não preciso usar ARTIFÍCIOS para me declarar frente a outra mulher. E normalmente, não uso esse tipo de artifício...

A maternidade para mim, é sentida de outra forma. Eu adoro crianças, e convivi com crianças desde sempre. O universo infantil para mim não tem novidade alguma, nem dificuldade, nem constrangimento. E a recíproca é verdadeira: as crianças sentem-se bem em minha companhia, respeitadas, amadas, protegidas.

Isso é um FATO!

Gostaria de negar muitas experiências da minha vida em prol destas mães ciumentas, autoritárias, e infelizes, mas não posso.... O meu relacionamento com as crianças sempre foi excelente, autêntico e verdadeiro, e isso basta.

Não posso negar minha vida, rechaçar os movimentos, o percurso, as experiências, boas ou não. O vivido foi vivido...

E gostaria de salientar os “modos” deste funcionamento: o constrangimento que muitas mulheres causam a outras, não é uma variável que depende do padrão de vida, ou nível de educação.... Não, é realmente independente disso.

Convivi com mulheres que eram psicanalistas, com formação em psicologia, que coabitavam no mesmo espaço físico, na prática da psicanálise, e que em determinado momento descreveram esse mesmo funcionamento, esse mesmo constrangimento, em razão da inveja, e ciúme.

Logo que terminei minha análise pessoal, fui convidada pelo meu psicanalista a trabalhar naquele local. Convite esse feito por ele 3 vezes. Intuitivamente, algo me apontava que essas coisas aconteceriam ali naquele local.

O fato de ter sido convidada pelo Diretor do Colégio Freudiano de Curitiba, já foi o motivo inicial para o tipo de comportamento daquelas mulheres que ali se apresentavam... Ao contrário delas, eu tive a maior boa fé, e interesse em colaborar com todo o trabalho que ali acontecia. E para isso, levei o material necessário para trabalhar com aquelas crianças, crianças do Educandário São Francisco.

O meu trabalho não consistia na observação das crianças, pois eu fazia ali exatamente o que sempre fiz com o sujeito humano: conviver. Conviver, compartilhar, integrar, participar.... E isso, não agradou as psicanalistas em questão, que ficavam observando a minha conduta, de forma crítica, e avaliando as minhas atitudes como se estivessem estudando um caso.

Felizmente, a secretária deste lugar também se tornou minha amiga, conversávamos sempre, e considerava tudo o que fazia ali com normalidade, e participava da mesma forma. Nós duas, dávamos conta do recado, na ausência do psicanalista... E as crianças não só se sentiam bem, alegres, agradecidas, incentivadas, como algumas mães me procuravam nesse lugar para conversar, e gostavam do trabalho realizado.



Esse foi o motivo secundário para o agravo da inveja daquelas psicanalistas. E assim sucessivamente, ao ponto de se tornar um ambiente inabitável para mim. Fui convidada para trabalhar ali, aceitei, trabalhei, e de repente me vi frente a uma situação simplesmente incompreensível: mulheres que se diziam psicoterapeutas, doutoras.... Na verdade, não sabiam exatamente o que estavam fazendo, e estavam manifestando um furor derivado da insatisfação com elas próprias, da incapacidade de realizar um trabalho como aquele, incapacidade de se relacionar com crianças com naturalidade....

ESSES FATOS FAZEM PARTE DA MINHA REALIDADE EXISTENCIAL, DE VIDA. E FATOS ASSIM SE REPETIRAM AO LONGO DA MINHA VIDA. A INSISTÊNCIA DESTE TIPO DE CONDUTA EM RELAÇÃO A MINHA PESSOA CARACTERIZA EXATAMENTE A LIMITAÇÃO DESTAS MULHERES, E A POSSIBILIDADE DE TRANSPOSIÇÃO DESTA LIMITAÇÃO, PRODUÇÃO DE OUTRA COISA...

REPETIÇÃO E INSISTÊNCIA, SÃO CONCEITOS! CONCEITOS QUE DEMARCAM UMA PRÁTICA, PRAXIS, OFERECIDOS E ESCLARECIDOS NA OBRA DE FREUD. EXISTE UMA RAZÃO DE SER PARA TAL...

Antes de viver essas situações, não imaginava que isso pudesse acontecer com pessoas que tinham uma educação superior, e muito menos pessoas que se formaram na área de psicologia, mas estava ali, dia após dia, vivenciando estas circunstâncias absurdas e no entanto reais.

HOJE, percebo que a vida, a realidade, a diversidade do sujeito humano, apresenta todas essas vicissitudes, independente da classe social, do status, da educação....

E, a CONVIVÊNCIA diária, o trato com o ser-humano nos dá capacitação para lidar com problemas, e maleabilidade.

AO CONTRÁRIO, é exatamente a ideia de que a função é o ser, que traz tantas equívocos, e constrangimentos.... Em determinado momento, dentro daquela Instituição, eu olhei para o Presidente e disse: “Você é o presidente daqui, mas pode deixar de ser. E aí vai ter que fazer outra coisa da vida, e talvez não saiba fazer....” . Ocupar um lugar, não significa que a pessoa seja este lugar, e isto é tudo.

A rigidez psicológica é derivada desta incapacidade de lidar com realidades diferentes, pessoas diferentes, acontecimentos inesperados... E adquirir capacidade e maleabilidade para a vida, depende da prática e disposição do sujeito para isso.

O sujeito-humano é tudo isso, e ao mesmo tempo, nada disso... Ostentar uma postura, um lugar, dificulta ainda mais as relações humanas, a naturalidade de exposição, a aproximação com o outro, criando barreiras e defesas...

E, em certos momentos fica ostensivamente óbvio a CONTRARIEDADE ENTRE AQUILO QUE O SUJEITO DIZ SER, E AQUILO QUE EXATAMENTE ELE É, OU SEJA, O QUE O SUJEITO FAZ NA REALIDADE DE SUA VIDA ORDINÁRIA, NEGA AQUILO QUE ELE PROCLAMA ENQUANTO DIREÇÃO DE VIDA....

CONVIVÊNCIA: EFETIVIDADE DA PRESENÇA.



Comentários

Postagens mais visitadas