LOUVAÇÃO DA NOITE - JORGE COLI

CURITIBA, 27 DE FEVEREIRO DE 2015.


“O historiador debruçado sobre o objeto artístico, tentando compreendê-lo.segundo diversas configurações históricas, poderá deparar-se com duas sensações imprecisas e frustrantes. A primeira, é a de um poço sem fundo; por menos que se ofereça a vazão às associações livres, por mais que se restrinja aos quadros de percepção de uma ou de outra época, rigorosos que sejam os parâmetros determinados para a análise, sobrará a convicção de que mesmo dentro dos limites impostos e escolhidos, a matéria examinada é instável e não se revela por inteiro. A segunda é de que sejam sutis fluídos e finos, os instrumentos abstratos empregados nesta tarefa, eles se mostrarão grotescos e desproporcionados diante do objeto fugacíssimo. Apreender a obra ou fazê-la, são artes que pressupõe o que depende do mistério, as certezas cientificistas de nosso tempo, os racionalismos poucos sábios, não toleram a ideia de que algo lhes escape, temem as trevas e creem na luz universal tão enganadoramente torva, entretanto é inútil excluir o mistério, ele está em nós e em torno de nós. E as obras de arte nos ensinam a dura tarefa a conviver com ele. A razão oferece etapas a serem compridas para o seu aprendizado, com o método não há porquê desesperarmos de atingir o universal. Entretanto, como descobrimos os caminhos do mistério? Não há método para tanto. No que precedeu, constatamos sensibilidades, intuições, emoções, atitudes, comportamentos, extasias, e quase uma estética. Não é possível prescindir nesses domínios do trabalho da razão, da busca metódica, da exatidão comparativa ou analítica. Eles esclarecem, situam, permitem que o pensamento não enverede pela indignidade do arbitrário. Revelam-se também como modos de frequentação. Está bem claro porém, que eles não substituem o legítimo contato. Os imperceptíveis vasos comunicantes entre cada um e a sinfonia, ou quadro, ou a estátua, ou o poema, estabelecem-se por meio da relação privilegiada capaz de criar ainda laços invisíveis entre os espectadores, ouvintes, leitores, de uma mesma obra: não exatamente os mesmos sentimentos, não os comportamentos unânimes, mas ligações complexas, possivelmente até emaranhadas e contraditórias. Com essa natureza específica, chegamos aqui ao centro de uma religioarte. No seu sentido mais precisamente etimológico. Os instrumentos racionais então se prestam como uma das maneiras, e dentre as mais elevadas, da aproximação. Desde que eles se encontrem submetidos ao principal: o humilíssimo servus. Assim como contemplador que se submete e se entrega às trevas insondáveis.”


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