FREUD COM NIETZSCHE: MALDITO HOMEM - DENISE FRANÇA

CURITIBA, 19 DE NOVEMBRO DE 2014.


por Denise França
Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Filosofia I




            Friedrich Wilhelm Nietzsche, nasceu em Rocken em 15 de outubro de 1844 e morre em Weimar em agosto de 1900. Filósofo, crítico cultural, poeta e compositor alemão do século XIX.
            Obras:
            O Nascimento da Tragédia no Espírito da Música
            Humano Demasiado Humano, um Livro para Espíritos Livres
            A Gaia Ciência
            Assim Falou Zaratustra, um Livro para Todos e para Ninguém
            Além do Bem e do Mal, Prelúdio a uma Filosofia do Futuro
            Genealogia da Moral, uma Polêmica
            O Anticristo, Praga contra o Cristianismo
            Ecce Humano, de como a gente se torna o que a gente é
            Nietzsche contra Wagner

            Sigsmund Schlomo Freud, nasceu em Freiberg in Mahren, 06 de maio de 1856, e more em Londres em 1979. Médico, psiquiatra, neurologista criou a Psicanálise.  

            Obras Completas de Sigmund Freud


             

            Nietzsche precedeu a Freud. Nas obras do primeiro, Além do Bem e do Mal, Demasiado Humano, Genealogia da Moral, observamos  peculiariades da mesma natureza dentro da obra de Freud : Mal-estar na Cultura (1930). Nietzsche fez o que até então, ainda não se tinha observado no campo da filosofia. Observemos em Humano Demasiado Humano:


“43. Homens cruéis, homens atrasados. — Devemos pensar nos homens que hoje são cruéis como estágios remanescentes de culturas passadas: a
cordilheira da humanidade mostra abertamente as formações mais profundas, que em geral permanecem ocultas. São homens atrasados, cujo
cérebro, devido a tantos acasos possíveis na hereditariedade, não sedesenvolveu de forma vária e delicada. Eles mostram o que todos nós fomos, e nos infundem pavor: mas eles próprios são tão responsáveis como um pedaço de granito é responsável pelo fato de ser granito. Em nosso cérebro também devem se achar sulcos e sinuosidades que correspondem àquela mentalidade, assim como na forma de alguns órgãos humanos podem se achar lembranças do estado de peixe. Mas esses sulcos e sinuosidades já não são o leito por onde rola atualmente o curso de nosso sentimento.”


            Assim em Freud, falando sobre a origem da  consciência, sobre os estatutos do ego (o mestre em sua potência),  sobre o superego, sobre a culpa.
            O mal-estar na cultura se dá em razão deste véu que encobre a verdade que precede a história do sujeito. O esquecimento, o recalque primordial, coloca no sujeito este véu, que o faz entrar nesta vida pelo seu viés, a insatisfação, o sofrimento, o desprazer, o sintoma. Este viés o lança para a vida, além de sua pretensão de dar uma identidade ao desconhecido, faz mais do que isso, produz o espetáculo de uma aparência estrangeira na terra de ninguém.
            Assim é o homem, para Nietzsche e para Freud. A compulsão de repetição, um dos conceitos fundamentais da psicanálise, nos garante que o sujeito humano erra, ele produz essa falta a ser, no tempo de vida, através da vida que subsiste a ele, ao seu tempo, no desejo que virá a ser, no outro.
            O sujeito humano deixa suas pegadas neste deserto, solda o seu motivo, e o seu motivo tem o saldo da culpa.
            Nesta paráfrase do Deserto, não menos que o deserto e a sarça ardente que ali esteve presente: “Eu Sou Aquele que Sou”.

            O homem andou por aqui, Nietzsche quizera falar assim: o homem andou por aqui. E por isso, escreve também Zaratustra, o super-homem. Nesse abismo onde ecoa a voz: “Eu Sou Aquele que Sou”, o silêncio submete o homem a viver neste deserto, a produzir e a subsistir neste silêncio e nesse impasse, depois que o homem morreu: Deus morreu!
            E a trilha que lhe resta é esta: Deus está morto.... Uma notícia: Deus está morto!  Este assassínio do homem pelo homem ocorre nessa migração espontânea do êxodo, onde as tábuas dos mandamentos são jogadas ao fogo, pelas mãos de Moisés. Freud, lança o último texto: Moisés e o Monoteísmo.
                        A alma de Freud, Freud sabe que está morrendo, e escreve esse texto como arcabouço de toda sua obra, como um legado imprescindível a esse outro, ao que virá. E nos deposita a maior de todas as pérolas: a história dos judeus. O ferro e a face de Deus impregna a sua pena. Literalmente a sua pena,  porque Freud está morrendo do câncer que o corrói em dores violentas.... 
            Ecce Homo, Nietzsche escreve para Wagner, é para Wagner que Nietzsche escreve: O nascimento da tragédia no espírito da música, A ARTE. Amar a quem se ama, que destino cruel: amar a Wagner. Contra Wagner, última obra de Nietzsche. Amar a quem se ama, que destino cruel do homem, neste deserto entregue depois que proclamou que Deus está morto.       
            Amar a quem se ama: AMAR AO PRÓXIMO COMO A TI MESMO. Entregue ao homem na mesa do holocausto, na última ceia, comendo com os seus, o filho do Homem disse:  AMAR A QUEM SE AMA. Porque sabia, exatamente o que lhe sucederia naquela noite, atravessando a face da verdade, o viés do humano, no sortilégio do beijo
            O sortilégio do beijo, encontramos na obra de Freud, o sonho da Injeção de Irma. O sonho dos sonhos. Onde aparece a fórmula da trimetilamina, onde Freud vai de encontro à morte. A descoberta do INCONSCIENTE. Freud nos diz aqui: PARA SEMPRE.  A via RÉGIA PARA O INCONSCIENTE SÃO OS SONHOS ( AInterpretação dos Sonhos). 
            Uma pena que tenham traduzido tão mal a obra dele. A ironia com que a pena de Freud tece seus pensamentos, e a ternura com que deposita ali as mais tênues impressões do humano, são perdidas. Os psicanalistas não sabem o que fazem...
            Nietzsche atravessou a música, escreveu sobre o espírito do homem, a música de Wagner. Aliás, a obra de Nietzsche é uma composição, é uma letra. E nisso, Freud é fecundo: a letra morta funda o apelo do homem ao título de Deus.
            Já estava escrito, há nisso em Nietzsche o maior de todos os sortilégios: O Anticristo, praga contra o Cristianismo. O cajado, este cajado que faz do homem, virulento em seu fastídio, pela submissão à perseverança dos males, introduz o Anticristo, como uma função tempo, neste espaço de sua letra.
            Já estava escrito, o livro. O livro da Vida, já está escrito. Nietzsche escreve para todos e para ninguém, assim falou Zaratustra, o profeta. Falar para todos e para ninguém, novamente, em sua letra, percebemos o que há de mais fundamental na fala humana, a escuta.  Que a música nos entre pelos ouvidos, pelos sentidos, e nos obture a alma, com o amálgama do inanimado, temos o sortilégio de morrer pelo esquecimento, através do esquecimento, somos conduzidos à morte.
            Somos artífices do BEM e do MAL, onde, só onde, nesta função do tempo, colocada irrisoriamente em lugar do esquecimento:”Assim Falou ZARATUSTRA” . Um livro para todos e para ninguém.  Espaço. Ele lançou aí o mesmo que Freud: O INCONSCIENTE É UM LUGAR.
Freud depois, nos diz: “Wo Es war, soll Ich werden” (1932 p. 86). Lembremos da sugestão de Lacan para a tradução:
Là où c’était, il me faut advenir. (Lá onde isso estava, devo (-me) advir.)
E Garcia-Roza em seu Freud e o Inconsciente (1994): “Ali onde se estava, ali como sujeito devo vir a ser. “

            Freud nos diz:  “uma força pela qual somos vividos, acreditando vivê-la.”
            E Nietzsche em seu Além do bem e do mal (1992), “um pensamento vem
quando isso [es] quer e não quando eu [ich] quero”.
            Que a nossa transcendência dependa disto. Quais os meios pelos quais o humano atravessa a linha da vida, chegando à morte. A morte de si mesmo, todos ros dias sendo viceralmente vivificada na transmissão deste sentido. O seu “falecer”: fale-ser, como dizia Lacan. Através da fala, atravessando a morte.
            Sua aparência de ser: o sentido. A construção de um saber. Freud decifrou através desta pedra de roseta, na comparação entre três línguas, o repertório do inconsciente:
“O inconsciente também é uma articulação de significantes e podemos ver Freud, na prática, produzindo este campo da investigação, ao notar na fala de seus pacientes aquilo que aparece repetidas vezes em seus sonhos e parapraxias. Freud, desse modo, inventa sua própria Pedra de Roseta, assinalando sua própria versão do cartucho de Champollion. Assim Freud observa ocorrências repetitivas, Lacan inicialmente marca o inconsciente como um tropeço, mas também enfatiza a repetição do inconsciente que sempre diz o mesmo.” (FINK, FELDSTEIN, JAANUS, 1997)

            Este aturdito, interditado, este ditado é um promessa, um voto. Um significante que remete a outro significante. A língua mãe, os judeos o sabem. Naquela época, a transmissão oral. E Jesus, o rei dos Judeus o fazia pelo povo, através do povo, seu ato era público, emancipado: o aramaico. Mas em Jesus não havia separação entre a fala e o ato.Ecce Homo trazia a marca do seu sinal, in corpo.

         E os escribas e fariseus trouxeram-lhe uma mulher apanhada em adultério;  E, pondo-a no meio, disseram-lhe: Mestre, esta mulher foi apanhada, no próprio ato, adulterando. E na lei nos mandou Moisés que as tais sejam apedrejadas. Tu, pois, que dizes?  Isto diziam eles, tentando-o, para que tivessem de que o acusar. Mas Jesus, inclinando-se, escrevia com o dedo na terra. E, como insistissem, perguntando-lhe, endireitou-se, e disse-lhes: Aquele que de entre vós está sem pecado seja o primeiro que atire pedra contra ela. E, tornando a inclinar-se, escrevia na terra. Quando ouviram isto, redarguidos da consciência, saíram um a um, a começar pelos mais velhos até aos últimos; ficou só Jesus e a mulher que estava no meio. E, endireitando-se Jesus, e não vendo ninguém mais do que a mulher, disse-lhe: Mulher, onde estão aqueles teus acusadores? Ninguém te condenou? E ela disse: Ninguém, Senhor. E disse-lhe Jesus: Nem eu também te condeno; vai-te, e não peques mais.” (João 8:3-11)


            Movia o pó da terra, a função tempo. Freud, nos fala em pensamento manifesto e pensamento latente. Entre o ato e a palavra, já se passaram séculos. O pensamento se faz ato.
            E escreveu no chão:  o lugar mais próximo do homem é o coração.



  REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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FREUD, Sigmund.  O Mal-estar na Cultura. Ed 1. Coleção L&PM Pocket.  São Paulo:  2010.
NIETZSCHE, Friedrich. Humano Demasiado Humano, Um Livro para Espíritos Livres.Ed 1. Local: Coleção L&PM Pocket, São Paulo:  2010.
NIETZSCHE, Friedrich. Genealigia da Moral, Uma Polêmica. Ed 1. Local: Coleção L&PM Pocket, São Paulo:  2010.

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