Diretrizes para um Congresso sobre a sexualidade feminina - JACQUES LACAN


I. Introdução histórica
Se considerarmos a experiência da psicanálise em seu desenvolvimento nos últimos sessenta anos, não será surpresa salientarmos o fato de que, tendo sido inicialmente concebida baseando na repressão paterna o complexo de castração, rebento primeiro de suas origens, ela orientou progressivamente para as frustrações oriundas da mãe um interesse tal que esse complexo, por ter suas formas distorcidas, não foi melhor elucidado.
Uma noção de carência afetiva, ligando sem intermediação as falhas reais dos cuidados maternos os distúrbios do desenvolvimento, é reforçada por uma dialética de fantasias das quais o corpo materno e o campo imaginário.
Que isso constitua uma promoção conceitual da sexualidade da mulher, não há duvida, e permite observar uma negligência marcante.

II. Definição do tema
Ela diz respeito ao exato ponto para o qual gostaríamos, nessa conjuntura, de chamar a atenção, ou seja, a parte feminina, se é que esse termo tem sentido, daquilo que se articula na relação genital, na qual o ato do coito ocupa um lugar ao menos local.
Ou, para não decair dos elevados referenciais biológicos com que continuamos a nos comprazer: quais são as vias da libido concedidas a mulher pelos fâneros anatômicos de diferenciação sexual dos organismos superiores?

III. Levantamento de fatos

Tal projeto ordena levantar, primeiramente:
a) Os fenômenos atestados pelas mulheres, nas condições de nossa experiência, sobre as vias e o ato do coito, na medida em que eles confirmem ou não as bases nosológicas de nosso ponto de partida medição;
b) A subordinação desses fenômenos as molas que nossa ação reconhece como desejo, e especialmente a seus rebentos inconscientes – com os efeitos, aferentes ou eferentes em relação ao ato, que deles resultam para a economia psíquica -, dentre os quais os do amor podem ser considerados por si mesmos, sem prejuízo da transição de suas conseqüências para a criança;
c) As implicações nunca revogadas de uma bissexualidade psíquica inicialmente relacionada com as duplicações da anatomia – porem cada vez mais imputadas a identificações personalogicas.
IV. Fulgor das ausências
Em tal resumo destacam-se certas ausências, cujo interesse não pode ser eludido por uma alegação de improcedência:
1. As novas aquisições da fisiologia, as realidades do sexo cromossômico, por exemplo, e seus correlatos genéricos, sua distinção do sexo hormonal e a proporção que lhes cabe na determinação anatômica – ou simplesmente o que se evidencia do privilegio libidinal do hormônio masculino, e até da ordenação do metabolismo estrogênico no fenômeno menstrual -, embora a reserva sempre se imponha em sua interpretação clinica, nem por isso deixam de dar o que pensar, por terem permanecido ignorados por uma pratica em que não se hesita em alegar um acesso messiânico a quimismos decisivos.
A distancia guardada aqui do real pode levantar, com efeito, a questão do corte tendencioso – o qual, se não tem que ser feito entre o somático e o psíquico, solidários, impõe-se entre o organismo e o sujeito, sob a condição de que se repudie, quanto a este ultimo, a cota afetiva com a qual a teoria do erro o carregou, para articulá-lo como sujeito de uma combinatória, a única que da sentido ao inconsciente.
2. Inversamente, um paradoxo original da abordagem psicanalítica, a posição-chave do falo no desenvolvimento libidinal, interessa por sua insistência em se repetir nos fatos.
E aqui que a questão da fase fálica na mulher agrava seu problema, por ter, depois de fazer furor entre os anos de 1927 e 1935, sido desde então deixada numa tácita indivisão , ao bel-prazer das interpretações de cada um.
E ao nos interrogarmos sobre suas razoes que poderemos romper essa suspensão.
Imaginário, real ou simbólico, no que concerne a incidência do falo na estrutura subjetiva em que se acomoda o desenvolvimento, não são aqui palavras de um ensino especifico, mas justamente aquelas em que se assinalam, na redação dos autores, os deslizes conceituais que, por não terem sido criticados, conduziram a atonia da experiência depois da pane do debate.

V. A obscuridade quanto ao órgão genital
O discernimento de uma proibição, por mais obliquo que seja seu processo, pode servir de prelúdio.
Por ventura se confirma ele no fato de que uma disciplina que, para responder de seu campo pela sexualidade, parecia permitir expor todo o segredo desta, tenha deixado o que se revela do gozo feminino no ponto exato em que uma fisiologia pouco zelosa se confessa incapaz de desvendá-lo?
A oposição bastante trivial entre o gozo clitoridiano e a satisfação vaginal viu a teoria reforçar sua tese, a ponto de situar nela a inquietação dos sujeitos, ou até de elevá-la a categoria de tema, se não de reivindicação – sem que no entanto se possa dizer que o antagonismo entre eles tenha sido mais precisamente elucidado.
Isso porque a natureza do orgasmo vaginal guarda invioladas as suas trevas.
E que a noção massoterápica da sensibilidade, do colo, bem como a cirúrgica de um noli tangere na parede posterior da vagina, revelam-se, na prática, contingentes (nas histerectomias), sem duvida, mas também na aplasias vaginais!).
As representantes do sexo, não importa que volume produza sua voz entre os psicanalistas, não parecem ter dado o melhor de si para a retirada desse lacre.
A parte a famosa “locação” da dependência retal, a respeito da qual a sra. Lou Andréas-Salomé se posicionou pessoalmente, elas em geral se ativeram a metáforas cuja altivez, no ideal, não significa nada que mereça ser preferido ao que qualquer um nos oferece de uma poesia menos intencional.
Um Congresso sobre a sexualidade feminina esta longe de fazer pesar sobre nos a ameaça do destino de Tirésias.

VI. O complexo imaginário e as questões do desenvolvimento
Se esse estado de coisas deixa entrever um impasse cientifico na abordagem do real, o mínimo, no entanto, que se pode esperar de psicanalistas reunidos em congresso é que eles não esqueçam que seu método nasceu precisamente de um impasse semelhante.
Se os símbolos não tem aqui outra captura senão imaginária, provavelmente é porque as imagens já foram sujeitadas a m simbolismo inconsciente, ou seja, a um complexo – que torna oportuno lembrar que as imagens e símbolos na mulher não podem ser isolados das imagens e símbolos da mulher.
A representação (Vorstellung, no sentido em que Freud emprega esse termo ao assinalar que é isso que é recalcado), a representação da sexualidade feminina condiciona, recalcada ou não, sua implantação, e suas emergências deslocadas (onde a doutrina do terapeuta pode se descobrir parte interessada) fixam o destino das tendências, por mais naturalmente elucidadas que se as suponha.
Deve-se ter em mente que Jones, em seu discurso na Sociedade de Viena que parece ter crestado a terra para qualquer contribuição posterior, já não conseguiu produzir nada além de sua adesão pura e simples aos conceitos kleinianos, na perfeita brutalidade com que os expõe sua autora, ou seja, na indiferença em que se coloca Melaine Klein – ao incluir as fantasias edipianas mais originais no corpo materno – ante sua proveniência da realidade suposta pelo Nome-do-Pai.
Se considerarmos que isso é tudo a que Jones é levado pela iniciativa de reduzir o paradoxo de Freud, que instala a mulher no desconhecimento primário de seu sexo, mas que é também temperado pela confissão instruída de nossa ignorância – iniciativa tão movida em Jones pelo preconceito da dominância do natural, que ele se compraz em atestá-la com uma citação do Gênesis -, não vemos muito bem o que se possa ter ganho.
Pois, já que se trata do prejuízo causado ao sexo feminino (“uma mulher nasce ou é feita”, exclama Jones) pela função equivoca da fase fálica nos dois sexos, a feminilidade não parece ser mais especificada no que a função do falo se impõe, ainda mais equivoca, por ser recuada ate a agressão oral.
Tanto barulho, com efeito, não terá sido em vão, se permitir modular as perguntas seguintes na lira do desenvolvimento, visto que é essa a sua musica.
1. Será o mau objeto de uma falofagia fantástica, que o extrai do seio do corpo materno, um atributo paterno?
2. Sendo o mesmo elevado a categoria de bom objeto e desejado como um mamilo mais manejável (sic) e mais satisfatório (em quê?), a pergunta se precisa: será do mesmo terceiro que ele é tomado de empréstimo? Pois não basta adornar-se com a noção do casal parental combinado, resta ainda saber se é como imagem ou como símbolo que esse hibrido se constitui.
3. Como o clitóris, por mais autísticas que sejam suas solicitações, que entretanto se impõe no real, pode ser comparado com as fantasias precedentes?
Se é independentemente que ele coloca o sexo da menina sob o signo de uma menos-valia orgânica, o aspecto de duplicação proliferativa que assumem suas fantasias as torna suspeitas de recorrerem a fabulação “lendária”.
Se ele se combina (também ele) com o mau objeto e com o bom, então é necessária uma teoria da função de equivalência do falo no advento de qualquer objeto do desejo, para a qual não poderia bastar a menção de seu caráter “parcial”.
4. Seja como for, reencontra-se a questão estrutural introduzida pela abordagem de Freud, isto é, a de que a relação de privação ou de falta-a-ser simbolizada pelo falo se estabelece, como uma derivação, com base na falta-a-ser gerada por qualquer frustração particular ou global da demanda – e de que é a partir desse substituto, que afinal o clitóris instaura antes de sucumbir na competição, que o campo do desejo precipita seus novos objetos (antes de mais nada o filho por chegar), pela recuperação da metáfora sexual com que já estavam comprometidas todas as outras necessidades.

Esta observação aponta para o limite das questões relativas ao desenvolvimento, exigindo que se as subordine a uma sincronia fundamental.

VII. Desconhecimentos e preconceitos

Quanto a esse mesmo ponto, convém indagar se a mediação fálica drena tudo o que se manifestar de pulsional na mulher, notadamente toda a corrente do instinto materno. Por que não dizer aqui que o fato de que tudo o que é analisável é sexual não implica que tudo o que é sexual seja acessível a analise?
1. No que tange ao suposto desconhecimento da vagina, se, de um lado, é difícil conseguirmos não atribuir ao recalque sua persistência freqüente para-além do plausível, a verdade e que, afora algumas observações (Josine Muller) que declinaremos, em razão mesma dos traumas em que elas se atestam, os partidários do conhecimento “normal” da vagina ficam reduzidos a fundamentá-lo na primazia de um deslocamento de cima para baixo das experiências da boca, ou seja, a agravar em muito a discordância que pretendem mitigar.
2. Segue-se o problema do masoquismo feminino, que já assinala ao promover uma pulsão parcial, quer a qualifiquemos ou não de pré-genital, e que é regressiva em sua condição, a categoria de pólo da maturidade genital.

Tal qualificação, com efeito, não pode ser tomada como simplesmente homônima de uma passividade, ela mesma já metafórica, e sua função idealizadora, inversa a sua nota regressiva, evidencia-se por se manter indiscutida, ao contrario da acumulação, que talvez seja forcada na gênese analítica moderna, dos efeitos castradores e devoradores, desarticuladores e sideradores da atividade feminina.

Será que podemos nos fiar no que a perversão masoquista deve a invenção masculina, para concluir que o masoquismo da mulher é uma fantasia do desejo do homem?
3. Como quer que seja, é preciso denunciar a debilidade irresponsável que pretende deduzir as fantasias de invasão das fronteiras corporais de uma constante orgânica, cujo protótipo seria o rompimento da membrana ovular. Analogia grosseira, que mostra bastante bem a que distancia se esta do modo de pensar característico de Freud nesse campo, quando ele esclarece o tabu da virgindade.
4. Pois aqui confinamos com o campo pelo qual o vaginismo se distingue dos sintomas neuróticos,mesmo quando eles coexistem, e que explica que ele ceda ao processo sugestivo, cujo sucesso é notório no parto sem dor.
Se a analise, com efeito, esta engolindo seu vomito, ao tolerar que em sua esfera se confundam angustia e medo, talvez esta seja uma oportunidade de distinguir entre inconsciente e preconceito, quanto aos efeitos do significante.
E de reconhecer, ao mesmo tempo, que o analista esta tão exposto quanto qualquer outro a um preconceito relativo ao sexo, a despeito do que lhe revela o inconsciente.
Estaremos nós lembrados da recomendação, que Freud repete com freqüência, de não reduzirmos o suplemento do feminino para o masculino ao complemento do passivo para o ativo?
VIII. A frigidez e a estrutura subjetiva


1. A frigidez, por extenso que seja seu império, além de quase genérico, se levarmos em conta sua forma transitória, pressupõe toda a estrutura inconsciente que determina a neurose, mesmo que apareça fora da trama dos sintomas. O que da conta, por um lado, de sua inacessibilidade a qualquer tratamento somático – e, por outro, do fracasso corriqueiro dos préstimos do parceiro mais desejado.
Somente a analise a mobiliza, as vezes acidentalmente, mas sempre numa transferência que não pode ser contida na dialética infantilizante da frustração ou da privação, mas que é tal que põe em jogo a castração simbólica. O que justifica aqui uma evocação de um principio.
2. Principio simples de formular, de que a castração não pode ser deduzida apenas do desenvolvimento, uma vez que pressupõe a subjetividade do Outro como lugar de sua lei. A alteridade do sexo descaracteriza-se por essa alienação. O homem serve aqui de conector para que a mulher se torne esse Outro para ela mesma, como o é para ele.
E nisso que um desvelamento do Outro implicado na transferência pode modificar uma defesa simbolicamente comandada.
Queremos dizer que a defesa concebe-se aqui, primeiramente, na dimensão de mascarada que a presença do Outro libera no papel sexual.
Se tornarmos a partir desse efeito de véu, para com ele relacionar a posição do objeto, suspeitaremos de como pode esvaziar-se a monstruosa conceituação pela qual o ativo analítico foi interrogado mais acima. Talvez ela simplesmente queira dizer que tudo pode ser imputado a mulher, já que, na dialética falocêntrica, ela representa o Outro absoluto.
Portanto, convém voltarmos a inveja do pênis (Penisneid) para observar que, em dois momentos diferentes e com uma certeza igualmente liberada em cada um da lembrança do outro, Jones faz dela uma perversão e, depois, uma fobia.
As duas apreciações são igualmente falsas e perigosas. Uma marca o apagamento da função da estrutura frente a do desenvolvimento, para o qual cada vez mais tem deslizado a análise, aqui em contraste com a ênfase colocada por Freud na fobia como pedra angular da neurose. A outra inaugura a ascensão do labirinto a que o estudo das perversões viu-se fadado para dar conta da função que nelas tem o objeto.
Na ultima volta desse palácio de miragens, é ao splitting do objeto que se chega, por não se ter sabido ler, na admirável nota interrompida de Freud sobre o splitting do ego, o fading do sujeito que o acompanha.
Talvez esse também seja o termo em que se dissipara a ilusão do splitting a que a analise se enviscou, ao fazer do bom e do mau atributos do objeto.
Se a posição do sexo difere quanto ao objeto, é por toda a distancia que separa a forma fetichista da forma erotomaníaca do amor. Devemos encontrar seus destaques na mais comum das vivencias.
3. Quando se parte do homem para avaliar a posição recíproca dos sexos, vê-se que as mulheres-falo, cuja equação foi formulada pelo Sr. Fenichel de maneira meritória, ainda que tateante, proliferam numa Venusberg a ser situada para-além do “Você é minha mulher” pelo qual ele constitui sua parceira – no que se confirma que o que ressurge no inconsciente do sujeito é o desejo do Outro, ou seja, o falo desejado pela Mãe.
A partir daí abre-se a questão de saber se o pênis real, por pertencer a seu parceiro sexual, destina a mulher a um apego sem duplicidade, excetuando a redução do desejo incestuoso, cujo processo seria aqui natural.
Examinaremos o problema as avessas, considerando-o resolvido.
4. De fato, por que não admitir que, se não há virilidade que a castração não consagre, é um amante castrado ou um homem morto (ou os dois em um) que, para a mulher, oculta-se por trás do véu para ali invocar sua adoração – ou seja, no mesmo lugar, para-alem do semelhante materno, de onde lhe veio a ameaça de uma castração que realmente não lhe diz respeito?
Por conseguinte, é a esse incubo ideal que uma receptividade de abraço tem que se reportar, como uma sensibilidade de cinta em torno do penis.
E a isso que cria obstáculo qualquer identificação imaginária da mulher (em sua estatura de objeto proposto ao desejo) com o padrão fálico que sustenta a fantasia.
Na posição de ou-isto-ou-aquilo em que se vê preso o sujeito, entre uma pura ausência e uma pura sensibilidade, não é de surpreender que o narcisismo do desejo se agarre imediatamente ao narcisismo do ego que é seu protótipo.
Que seres insignificantes sejam habitados por uma dialética tão sutil, é a isso que a analise nos acostuma, e é o que explica que a menor das falhas do ego seja sua banalidade.
5. A figura de Cristo, nesse aspecto evocadora de outras mais antigas, mostra aqui uma instancia mais extensa do que implica a fidelidade religiosa do sujeito. E não e inútil observar que a revelação do significante mais oculto, que era o dos Mistérios, ficava as mulheres reservada.
Num nível mais terra-a-terra, damos conta, assim: (a) de que a duplicidade do sujeito e encoberta na mulher, tanto mais que a servidão do cônjuge o torna especialmente apto a representar a vitima da castração; (b) do verdadeiro motivo pelo qual a exigência de fidelidade do Outro assume na mulher seu caráter particular; (c) do fato de ela justificar mais facilmente essa exigência pela suposta alegação de sua própria fidelidade.
6. Este esboço do problema da frigidez e traçado em termos nos quais as instancias clássicas da analise se reinstalarão sem dificuldade. Ele pretende, sem suas linhas gerais, ajudar a evitar o escolho em que os trabalhos analíticos se descaracterizam cada vez mais, ou seja, sua semelhança com a remontagem de uma bicicleta por um selvagem que nunca tivesse visto uma, por meio de pecas retiradas de modelos historicamente tão distantes que nem sequer comportam seus homólogos, com isso não estando excluída sua dupla utilização.

IX. A homossexualidade feminina e o amor ideal
O estudo do quadro da perversão na mulher abre um outro viés.
Tendo-se levado muito longe a demonstração, quanto a maioria das perversões masculinas, de que seu motivo imaginário e o desejo de preservar um falo que é aquele que interessou ao sujeito na mãe, a ausência, na mulher, do fetichismo, que representa desse desejo o caso quase manifesto, permite desconfiar de um outro destino desse desejo nas perversões que ela apresenta.
Pois supor que a própria mulher assume o papel do fetiche é apenas introduzir a questão da diferença de sua posição quanto ao desejo e ao objeto.
Jones, em seu artigo – inaugural da série – sobre o desenvolvimento primeiro da sexualidade feminina, parte de sua experiência excepcional com a homossexualidade na mulher e considera as coisas num meio-termo que talvez tivesse feito melhor em sustentar. Ele faz bifucar-se o desejo do sujeito na escolha que a ele se imporia entre seu objeto incestuoso, no caso, o pai, e seu próprio sexo. O esclarecimento daí resultante seria maior se não passasse sem transição para o apoio por demais cômodo na identificação.
Uma observação mais bem instrumentada destacaria, parece, que mais se trata de uma substituição do objeto: dir-se-ia de um costume, permite apreender que esse desafio parte de uma exigência amorosa escarnecida no real, e chega a nada menos do que se vangloriar do amor cortes.
Se, mais do que outro, tal amor se gaba de ser o que da aquilo que não tem, é exatamente isso que a homossexual se esmera em fazer no tocante aquilo que lhe falta.
Não é propriamente o objeto incestuoso que ela escolhe as custas de seu sexo; o que ela não aceita é que esse objeto só assuma seu sexo as custas da castração.
Isso não quer dizer que ela renuncie, no entanto, ao seu: muito pelo contrario, em todas as formas, mesmo inconscientes, da homossexualidade feminina, é sobre a feminilidade que recai o interesse supremo, e, nesse ponto, Jones detectou muito bem a ligação da fantasia do homem, testemunha invisível, com o cuidado que o sujeito tem com o gozo de sua parceira.
2.Resta tirarmos uma lição da naturalidade com que tais mulheres invocam sua qualidade de homens para contrastá-la como estilo de delírio do transexual masculino.
Por ai talvez se descubra o acesso que leva da sexualidade feminina ao próprio desejo.
Na verdade, longe de corresponder a esse objeto a passividade do ato, a sexualidade feminina surge como o esforço de um gozo envolto em sua própria contigüidade (da qual toda circuncisão talvez indique a ruptura simbólica), para se realizar rivalizando com o desejo que a castração libera no macho, dando-lhe seu significante no falo.
Será, portanto, esse privilégio de significante que Freud visa ao sugerir que talvez haja apenas uma libido, e que ela é marcada pelo signo masculino? Se ainda por cima alguma configuração química a corroborasse, acaso seria possível não vermos nisso a exaltante conjugação da dissimetria das moléculas, empregada pela construção viva, com a falta preparada no sujeito pela linguagem, para que nisso se exercitem côo rivais os partidários do desejo e os recorrente do sexo (sendo aqui sempre idêntica a parcialidade desse termo)?

X. A sexualidade feminina e a sociedade
Restam algumas questões a propor sobre as incidências sociais da sexualidade feminina.
1. Por que é deficiente o mito analítico no que concerne a proibição do incesto entre o pai e a filha?
2. Como situar os efeitos sociais da homossexualidade feminina em relação aos que Freud atribui, com base em pressupostos muito distantes da alegoria a que desde então se reduziram, a homossexualidade masculina, quais sejam, uma espécie de entropia que se exerce rumo a degradação comunitária?
Sem chegar a contrastar com ele os efeitos anti-sociais que valeram ao catarismo, bem como ao Amor que ele inspirava, seu desaparecimento, não poderíamos nós, ao considerar no movimento mais acessível das Preciosas o Eros da homossexualidade feminina, apreender o que ele veicula de informação como contrario a entropia social?
3. Por que, finalmente, a instancia social da mulher continua transcendente a ordem do contrato propagado pelo trabalho? E, em especial, será como efeito dela que se mantém o status do casamento no declínio do paternalismo?
Questões, todas elas, irredutíveis a um campo ordenado pelas necessidades.

Comentários

Postagens mais visitadas