NELSON RODRIGUES COM FREUD: O ESPÍRITO DA MULHER

Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Escola de Comunicação e Artes
Curso Bacharel em Teatro

Denise França
Email: franca.denise08@yahoo.com.br

                TOMO I
               A universalidade humana e a pessoa única nos coloca um problema: os critérios do sentido. O que nos faz diferentes de todos os outros homens nessa imensa cadeia humana, é a escuta, a fragmentação do nosso discurso e necessariamente, o que produzimos como efeito, o sintoma, o lapso, a mentira, o engano, o transtorno, a emasculação do sentido e a alienação do sujeito.
                Nelson Falcão Rodrigues nasceu no Recife em 23 de agosto de 1912. Aos 3 anos de idade foi para o Rio de Janeiro com a família. Onde seu pai, o jornalista Mário Rodrigues funda o jornal “A Manhã”.
                Nenhuma falsa modéstia: é assim que a obra de Nelson Rodrigues acontece no cenário brasileiro, enquanto jornalista,  enquanto escritor, enquanto dramaturgo.  Ele escuta, ele faz a sua leitura da realidade da sociedade do Rio de Janeiro, numa sede de jornal,  relatos de casos de homicídio, crimes passionais e desde os 13 anos de idade trabalha como repórter policial.  Seu irmão Mario Rodrigues é assassinado por uma mulher na sua frente, no Jornal “A Crítica”, em 1929. Fato que marcou profundamente a família Rodrigues.
                Crônicas da vida cotidiana, “Álbum de família” (1945). Em 1948 escreve “O anjo negro”, “A vida como ela é” (1950).
“Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino. E o buraco da fechadura é, realmente, a minha ótica de ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico (desde menino).” (Nelson Rodrigues, 1992. O anjo pornográfico).

                Em 1949, escreve Doroteia, peça que será o foco deste artigo. Considerada uma peça mítica, segundo o crítico literário, Sábato Magaldi. Estreou em 1950, no Teatro Phoenix, no Rio de Janeiro sob a direção de Z. Ziembinski. Considerada uma peça realista.
                Antes de entrarmos no contexto desta peça, vamos abordar alguns fragmentos necessários e imperativos na obra de Sigmund Freud, conceitos por ele formulados que nos farão entender e analisar um pouco melhor os signos desta linguagem rodrigueana. Mesmo porque, Freud não era desconhecido para Nelson Rodrigues: se tratasse de um pintor, poderíamos dizer que Nelson Rodrigues pintou o cenário carioca com as cores da paleta de Sigmund Freud.
                A modernidade de Nelson Rodrigues está nesta leitura inaugural desta realidade sociocultural, a sociedade carioca. Num segundo momento, descobre-se na obra de Nelson Rodrigues uma sintaxe própria, assim como o estilo ao apropriar-se desta brasilidade inesgotável em tudo o que escrevia.
                O feminino rodrigueano é decantado desta realidade e transfigurado. De modo que a mulher em Nelson Rodrigues, é uma mulher transformada pelo desejo que a causa. E nisto, também a coincidência com a leitura de Freud.  O corpo feminino passa a um outro nível de leitura, o desejo do analista. Assim também, o corpo feminino na escrita de Nelson Rodrigues passa a apresentar o corpo do feminino. Por isso, essa complexidade, esse ciclo mítico onde encontramos DOROTÉIA.
                Ademais, a primeira obra de Nelson, Vestido de Noiva, sob a direção de Ziembinski, nos mostra a antecipação do sentido, deste novo sentido e colocação a posteriori, o que viria a se dar, o desejo da mulher. E essa colocação é sui generis, pois as cenas são atemporais, são simultâneas, abrangendo três campos específicos, o imaginário, o simbólico e o real. Assim também, impressiona sua contemporaneidade, pois esses são os três espaços onde Lacan faz sua releitura de Freud.
                A privação, a frustração, a castração, são estas três categorias da relação do sujeito com o objeto em seus níveis de complexidade: privação (real), frustração (imaginário), castração (simbólico). Os três termos de referência da falta do objeto. Esse deslocamento frequente na obra de Nelson Rodrigues, da mulher que deseja, da prostituta, da mãe, da irmã, da cunhada, etc. e tal, postulam esse deslocamento do olhar sobre a mulher,  dessa leitura que faz a causa do desejo que a constrói como feminino,  enquanto corpo do feminino.
“Uma quarta grande temática se destaca no trajeto que Freud efetua em torno da questão da feminilidade: se não há sexo feminino enunciável como tal, a feminilidade não pode ser concebida como um ser que seria dado desde  o início, mas como um se tornar – e um se tornar que, paradoxalmente, se inaugura para a menina a partir de seu complexo de masculinidade.” (André SERGE. O que quer uma mulher? 1986: p.23)

            Nesse sentido, é preciso que ela o diga, para ser. É preciso um interlocutor. Em Doroteia, no inicio da obra observamos sua chegada na casa das primas, D. Flávia, Carmelita e Maura. Doroteia vestida de vermelho.
            “(CASA DAS TRÊS VIÚVAS – D. FLÁVIA, CARMELITA E MAURA. TODAS DE LUTO, NUM VESTIDO LONGO E CASTÍSSIMO, QUE ESCONDE QUALQUER CURVA FEMININA, DE ROSTO ERGUIDO, HIERÁTICAS, CONSERVAM-SE EM OBSTINADA VIGÍLIA, ATRAVÉS DOS ANOS, CADA UMA DAS TRÊS JAMAIS DORMIU, PARA JAMAIS SONHAR, SABEM QUE, NO SONHO, ROMPEM VOLÚPIAS SECRETAS E ABOMINÁVEIS. AO FUNDO, TAMBÉM DE PÉ, A ADOLESCENTE MARIA DAS DORES, A QUEM CHAMA, POR COSTUME, DE ABREVIAÇÃO, DAS DORES, D. FLÁVIA, CARMELITA E MAURA SÃO PRIMAS, BATEM NA PORTA. SOBRESSALTO DAS VIÚVAS. D. FLÁVIA VAI ATENDER; AS TRÊS MULHERES E DAS DORES USAM MÁSCARAS.)” (RODRIGUES, Nelson. DOROTÉIA)

                                As primas perguntam a Dorotéia, “- Teve a náusea?!” . Ao que Dorotéia fica em silêncio, só respondendo depois. Imperativo categórico, neste início. E essa referência à Náusea, nos faz remeter também à obra de Sartre, A Náusea. A náusea que é esta marca de herança, onde esta questão do desejo da mulher está efetivamente encerrada. A privação, o furo, a falta neste significante feminino. Mais adiante, as botinas, fetiche, significante que encerra o masculino. O existencialismo sartreano, coloca a náusea como a sensação do corpo frente ao descobrimento do ser no mundo: o design.
                Esse furo, esse vazio, questões limites do homem, o sexo e a morte.
                Nelson Rodrigues intitula Dorotéia como uma farsa.
A FARSA é uma terceira coisa nova/ Entre a tragédia e a comédia/ De ambas,Usufrui a liberdade./ Mas as restrições lhes evita./ Acolhe príncipes e dignatários./ Ao contrário da comédia; e recebe/ Como os hospitais e as tabernas,/ A massa vil dos plebeus,/ O que a senhora tragédia jamais fez,/ Não se restringe  a alguns temas – a todos aceita:/Leves e pesados, sagrados e profanos,/ Rústicos e urbanos, alegres e tristes./Não se importa com os lugares:/Passa-se na Igreja, na praça, seja onde for,/Quanto ao tempo, se não ocorrer num só dia,/Ocorrerá em dois ou três. (Apud CARLSON, 1997: p.48.)
               

                A ironia sendo decantada a cada momento, na medida em que a peça vai se desenvolvendo. 

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