BARATAS - Vitor Hugo Fernandes Martins

Para a amiga feminista e conterrânea Adriana Maria de Abreu Barbosa


Desculpem-me, sensíveis leitoras, mas chegou o dia de escrever sobre elas, dedicar-lhes uma ou duas laudas, ainda que baratas, dada a “excelência” deste cronista. Elas, objeto de nosso asco, inimigas de nossas casas, de nossos olhos: “ – Ai, Jesus, uma barata! Que nojo!” É, mas sinto-me fascinado por elas, desde que li pela primeira vez a barata clariceana, sobretudo a de A paixão segundo G. H. Desde então passei a compreendê-las, quer dizer, a amá-las. Não se ama o que não se compreende. Por isso, entrego-me às baratas aqui nesta crônica. Estarei entregue às baratas? “ – Ô cronista, não tinhas outro assunto, não?”

Ao contrário das formigas (outra minúscula existência que me fascina, sempre solidárias), as baratas são solitárias, silenciosas, vivem a esgueirar-se e têm hábitos noturnos. As baratas pertencem, sim, ao bas-fond. Por tudo isso, identifico-me ainda mais com elas...

Assim, já não ajo como uma barata tonta ao ver, na madrugada insone, inesperadamente, uma barata defrontar-me e desafiar-me junto ao ralo do banheiro (antes banheiro que cozinha, é certo!), com todo o seu envernizado marrom, com suas atentas antenas, seus pares de pernas, enfim, com toda a sua barateza. Não, ela não me assusta mais, mesmo que seja uma barata que voa, de asas enormes, mesmo que seja uma barata-noiva. A barata tem lá consigo a sua razão de ser. Cumpre, sim, o seu papel na cadeia biológica. “ – Vá dizer isto para as nossas donas de casa e seu instinto inseticida, vá, cronista!”

Dizem que elas, as baratas, vêm de longe, são pré-históricas. Nem bombas atômicas conseguem exterminá-las. Portanto, nem os homens – os piores predadores da Terra – conseguem acabar com elas. As baratas irão longe.

Para mim, elas são o maior barato, as baratas. Só espero que quem me lê não chupe uma barata. Calma lá, sensíveis leitoras (Ainda estarão comigo?)! Faço questão de esclarecer logo para as mais pudicas esta expressão, para que se evite a ambigüidade, embora saiba que na crônica a ambiguidade é antes virtude que defeito. Chupar uma barata nada mais é do que ser iludido, bigodeado.

As perguntas que ficam: minha crônica estará à altura das baratas e das sensíveis leitoras?

* Professor da UNEI, Ipiaú.. Poeta, cronista e contista.

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